Ensinar a viver

10/10/2016 13:00

Iniciei a semana pensando na letra da música do Cartola “O Mundo é um Moinho”:

“Ainda é cedo amor/ Mal começaste a conhecer a vida/ Já anuncias a hora de partida/ Sem saber mesmo o rumo que irás tomar/ Preste atenção, querida/ Embora eu saiba que estás resolvida/ Em cada esquina cai um pouco a tua vida/ Em pouco tempo não serás mais o que és/ Ouça-me bem, amor/ Preste atenção, o mundo é um moinho/ Vai triturar teus sonhos, tão mesquinho/ Vai reduzir as ilusões a pó/ Preste atenção, querida/ De cada amor tu herdarás só o cinismo/ Quando notares estás à beira do abismo/ Abismo que cavaste com os teus pés.”

Essa música, ele fez para a filha adotiva. Vários cantores gravaram essa belíssima letra do mestre Agenor de Oliveira. É válido ressaltar que na versão original, Cartola colocou o adjetivo “mesquinho” no singular para qualificar o “mundo”. Na gravação de Cazuza, o adjetivo é pronunciado no plural, qualificando “sonhos”. Fico com a versão do autor: o mundo mesquinho tritura sonhos.

No domingo, na fila da zona eleitoral em que voto, encontrei um amigo. Perguntei pelos filhos dele que votam na mesma zona. Em dia de votação, eu o via com os filhos no início da manhã. Dessa vez, estava sozinho: 

– Chegaram em casa hoje às 5:00 horas. Saíram ontem. Foram a uma festa.  Estão dormindo agora. Devem votar na parte da tarde. Já não falo mais nada. Estou cansado de dizer a eles que a vida não se limita às 24 horas do dia. É preciso ter moderação.  Canso de dizer que a vida não é uma festa. Parece que quanto mais a gente fala, mais eles fazem diferente do que a gente aconselha.

Ouvi apenas. Fiquei em silêncio. Não tenho filhos. Tudo que venha a falar será mera teoria. Não tenho essa vivência. Mas posso afirmar que o reflexo desse relacionamento de casa se constata em sala de aula. São frequentes os casos de indisciplina na escola que são consequências dos conflitos familiares. Como também se constata o bom relacionamento da família nas notas e no comportamento dos alunos.

Ao longo desse tempo que trabalho com educação, aprendi que ninguém ensina ninguém a viver. No máximo, conseguimos apontar alguns caminhos menos acidentados, apresentamos alguns esclarecimentos sobre as escolhas que devem ser feitas, quando se tem como objetivo uma convivência pacífica consigo e no meio em que se vive. E é possível citar alguns exemplos de vida como referência de conduta ética e de amor ao próximo. Pessoas que se dedicam ao servir. E nesta caminhada, é fundamental aprender a usar o “não e o “sim”. Não há como educar sem referências de limites. Não existe nenhuma sociedade sem padrões de convivência. 

É um equívoco querer ser feliz sozinho. Até o conceito de felicidade nos remete para o bem do próximo. Como é possível limitar o ato de amar somente a si mesmo? 

O mundo torna-se um duro educador, quando não conseguimos ouvir a palavra de quem nos ama. Quem ama quer o bem do ser amado. Se for diferente, não é amor. Quem ama protege.

 É verdade que o desejo de proteger pode se confundir com o sentimento possessivo que sufoca. O viver exige autodefesa. E cada um precisa usar o “sim” e o “não” por questão de segurança: saber aonde ir. Com quem ir. E por que ir?

“Os sonhos mesquinhos” são os egoístas. Estes, o “mundo mesquinho” reduz a pó, porque “sonho que se sonha só/ é só um sonho que se sonha só/ mas sonho que se sonha junto é realidade”, já afirmara Raul Seixas. 

Não podemos roubar os sonhos de uma juventude, mas estes sonhos não podem se tornar pesadelos.


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