Ensino remoto: dois anos letivos marcados pelo improviso e pela falta de investimento

05/12/2021 10:36
Por Luana Motta

Uma carga exaustiva de trabalho, sem qualquer compensação financeira para cobrir os custos com ensino remoto. É assim que professores da rede pública e privada em Petrópolis descrevem esses dois anos de escolas vazias, devido à pandemia de covid-19. O ensino remoto modificou a rotina de quem estava acostumado ao quadro de giz e a explicação olho no olho com os alunos, para conteúdo interativo nas telas. A tecnologia é fundamental na educação, mas sem investimento na inclusão digital, alunos e professores perdem. E as consequências dessa ausência de investimento já são visíveis.

No ensino presencial, professores trabalham dentro e fora da sala de aula. É uma preparação com estudos, planejamentos e atualizações, além do trabalho rotineiro de preparar pautas, presença, correção de provas e testes. Para um professor que tem 12 turmas, é uma demanda de quase 360 alunos semanalmente. 

“Com a pandemia esse quadro se agravou. Muitos professores tiveram que se reinventar, aprender e se transformar, adaptando-se à realidade do aluno, uma vez que muitos não tinham nem internet ou celular para entrar em contato com a escola”, conta José Gomes, que é professor de Geografia na rede municipal, e diretor do Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação (Sepe Petrópolis).

Além da “autocapacitação”, em que os professores tiveram que aprender sozinhos a mexer em aplicativos e programas que não estavam habituados, para poder interagir com alunos que, muitas vezes, não tinham o equipamento necessário. 

“No meu caso eu tive a ‘sorte’ de dois meses antes (do inicio remoto) fazer atualização no meu notebook, que tinha queimado a tela, e aproveitei para trocar o HD por um SSD, o que melhorou o desempenho e está funcionando até agora. O uso de internet e luz foi algo que cresceu muito dentro de casa e junto o custo das mesmas, impactando o meu orçamento, tendo em vista que faço uma segunda faculdade para aprimorar o meu conhecimento”, conta o professor.

Uma professora que trabalha em duas escolas da rede municipal, e que pediu para não ser identificada, relatou à Tribuna o quanto é difícil a operação do sistema remoto oferecido pela Secretaria de Educação, a plataforma “Educa em Casa”. A ferramenta foi lançada no ano passado para que os alunos, que têm acesso à internet, pudessem recebeu o conteúdo das aulas. 

“A Secretaria de Educação não disponibiliza meios de interação com os alunos, a ‘plataforma’ Educa em casa permite apenas acesso a atividades assíncronas. Aparentemente, não houve um projeto de capacitação de todo o quadro de professores da rede para o enfrentamento dos desafios que surgiram mediante a essa nova realidade. Algumas formações foram oferecidas, de forma pontual. Surgiram muitas novas demandas e, até hoje, ainda não sabemos muito bem como lidar com diversas situações que surgem no nosso dia a dia”, disse.

Professores pedem compensação pelos gastos excessivos com ensino remoto

Nesta quinta-feira(02), a Secretaria de Estado de Educação do Rio (Seeduc) começou a fazer o pagamento da cota compensatória aos servidores para custear as despesas com equipamentos tecnológicos entre julho e dezembro de 2021. O valor de R$ 3 mil está sendo pago neste mês, em cota única. Os profissionais precisam comprovar por meio de notas fiscais a aquisição dos equipamentos. A Seeduc estabeleceu a medida como uma forma de compensar os investimentos dos servidores que trabalhavam no ensino híbrido na rede estadual de ensino. 

A cota é recebida pelos profissionais de forma positiva, mas chegou tarde para quem sofreu essa sobrecarga nestes dois anos. “Como dirigente sindicalista que participou integralmente de toda a discussão que envolveu o período do ensino remoto na pandemia de covid-19,  reafirmo que na educação pública, tanto na rede municipal quanto na estadual, quem financiou a estrutura necessária para que o ensino ocorresse foram os próprios professores e demais profissionais da Educação. Na rede privada, na sua maioria, não foi diferente disso, pelo menos enquanto as aulas remotas estavam acontecendo dentro das casas desses profissionais”, disse Luciano Mathias, professor na rede particular de ensino, e diretor jurídico do Sepe Petrópolis. 

O professor aponta que a falta de investimento tecnológico é um reflexo da desvalorização dos professores da educação básica no país, que conhecidamente sobrevivem à condições salariais precárias. “Durante todo esse período foram esses mesmos profissionais desvalorizados que proveram as ferramentas tecnológicas necessárias para que o trabalho docente pudesse acontecer”, disse. Para Luciano, a medida da cota compensatória deveria ser adotada também na rede municipal.  

“Esse auxílio tecnológico promovido pelo governo do estado deve ser seguido também pelo governo municipal como uma forma de repor parcialmente os gastos que todos esses profissionais da Educação tiveram para que o processo administrativo e de ensino-aprendizagem fossem mantidos durante o fechamento das unidades escolares em nosso município”, disse. Luciano. 

Na rede municipal: nem equipamento e nem cota compensatória

Nas escolas municipais os docentes levaram à Secretaria Municipal de Educação as demandas sobre os problemas que encontraram ao longo desses dois anos ao sindicato da categoria. Havia a dificuldade na operação da nova plataforma Educa em Casa, a falta de equipamentos para o ensino remoto, e a preocupação com estudantes que não têm internet em casa. 

Elaine Rosa Moreira Bento, professora da rede municipal e diretora do Departamento de Formação do Sepe Petrópolis, disse que o sindicato vem encaminhando todos os apontamentos e reivindicações dos docentes ao Governo Municipal, para tentar garantir melhores condições de trabalho neste período. 

Segundo Elaine, o Sepe pediu a compra de notebooks e a necessidade de acesso à internet para os alunos, para que todos pudessem interagir no ensino remoto. “Infelizmente, chegamos ao final do ano letivo de 2021 ainda sem respostas para questões tão importantes. Enquanto observamos a iniciativa do governo do Estado através do repasse no valor de R$ 3 mil de auxílio internet para os professores, em Petrópolis a situação ainda continua na mesma, com professores tendo que se desdobrar com seus equipamentos pessoais e internet com pacote nem sempre adequado à demanda para garantir que os alunos não fiquem sem suas apostilas impressas e que, aqueles cujos responsáveis optaram que os filhos continuem no ensino remoto, continuem tendo acesso ao material e à interação com os professores”, disse. 

Em julho deste ano, a Secretaria de Educação abriu um edital de registro de preços para a aquisição de microcomputadores, monitores, notebooks e nobreaks para atender as necessidades da pasta, com um valor estimado de R$ 12,7 milhões. Seriam adquiridos 2 mil notebooks para atender os profissionais. 

O certame foi concluído em 13 de agosto, no valor de R$ 711 mil. As empresas que venceram – Qualytech Tecnologia e Informática Ltda, Repremig – Rep. e Com. de Minas Gerais Ltda, Inforg Ltda e C.A.M. Castilhos – ME – só podem fornecer quatro dos nove itens da lista do edital. A Tribuna perguntou a Secretaria de Educação, por meio da Assessoria de Comunicação, se os equipamentos relativos a este pregão foram entregues nas unidades de ensino ou aos docentes, e solicitou informações sobre o que foi feito para a aquisição dos demais itens da lista, mas a Secretaria não nos respondeu.

De acordo com a diretora do Sepe, a Secretaria de Educação fez um contrato emergencial para o aluguel de equipamentos, mas até o sábado (04), o contrato não havia sido publicado no Portal da Transparência no site da Prefeitura. “Até o momento, a solução encontrada pelo poder público foi o aluguel de notebooks de uma firma terceirizada e disponibilizar a senha da internet das escolas para que os professores possam produzir nas unidades”, disse Elaine. 

“A pergunta que fica é: até quando os professores da rede municipal de ensino terão que aguardar para serem ressarcidos por todo o investimento que fizeram para garantir que a educação da cidade não parasse durante a pandemia? Lembramos que muitos perderam seus celulares devido ao uso constante durante as aulas e outros tiveram que pagar por um pacote de internet mais caro para atender à demanda. Houve aqueles, ainda, que contraíram dívidas para consertar celulares e computadores devido ao desgaste. Nossos profissionais merecem respeito e precisam desta reparação. Lembre-se que, sem esses esforços, a educação em Petrópolis teria ficado totalmente paralisada durante a pandemia”, desabafou a educadora. 

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