Entre pós-verdades, fake news e inteligência artificial

07/jul 08:00
Por Ataualpa A. P. Filho

Temos que nos preparar para atravessar mais um período eleitoral. As pré-candidaturas já estão sendo anunciadas. Precisamos ligar os detectores de mentiras e os desconfiômetros. Precisamos manter a coerência, a lógica e a ética bem iluminadas. Precisamos buscar as informações em fontes seguras. Precisamos ampliar as atenções sobre os fatos e as versões. Precisamos afiar o senso crítico.

Precisamos seguir o exemplo de Ulisses, personagem da clássica obra “Odisseia” de Homero, que atravessou uma ilha repleta de sereias, literalmente, (en)cantadoras. Precisamos ficar atados no mastro da verdade para resistir às seduções, às propostas levianas de essência demagógica que proliferam em ano eleitoral.

Nessa bela epopeia, o personagem, atado ao mastro da embarcação, enfrenta o canto de belas sereias. Estrategicamente, colocou cera nos ouvidos dos remeiros e ordenou que ele fosse amarrado firmemente sem chance de fuga. Pés e mãos foram atados. Por mais que tentasse, não haveria possibilidade de ir ao encontro delas. Esse episódio encontra-se narrado no Canto XII da citada obra da Literatura Grega.

Com o advento da internet, as falácias proliferaram indiscriminadamente. A vulnerabilidade da vida “on-line”, presa a redes sociais, percorre caminhos levantados do chão. Nas nuvens do mundo virtual, há perfis superficiais desprovidos de essência.

A projeção de virtudes para atrair seguidores tem sido um jogo muito perigoso, porque exige um esforço contínuo para não deixar cair a máscara. E aqui vale lembrar o que afirmara Kant: “quanto mais os seres humanos se tornam civilizados, tanto maior é o número de atores.”

E quando o cinismo se personifica, o mentir faz parte da encenação. Os cínicos têm a capacidade de não demonstrar vergonha quando são desmascarados. Apresentam desculpas não convincentes, pois menosprezam a inteligência dos outros.

Propaga-se historicamente que Paul Joseph Goebbels (1897-1945), político alemão, Ministro da Propaganda de seu país entre 1933 e 1945, afirmara que “de tanto se repetir uma mentira, ela acaba se transformando em verdade”. A essência dessa frase sintetiza o emprego de “pós-verdade”. É válido ressaltar que tal termo, com a definição atual, foi usado pela primeira vez em 1992, pelo dramaturgo sérvio-estadunidense Steve Tesich.

Antes de “pós-verdade” virar moda, a malandragem carioca já havia criado a palavra “caô”. O caozeiro é aquele 171 que aplica “o conto do vigário” por ter uma lábia afiada e acha que sempre vai levar vantagem. Mas há o momento em que se atrapalha e sofre as consequências dos golpes aplicados.

Indubitavelmente, com o advento da Inteligência Artificial (IA), fake news e pós-verdade ganharam formas de aprimoramento. Precisamos ter cuidado, principalmente em período eleitoral, com a chamada “deepfake” (deep – profundo, fake – falso). Trata-se de uma técnica que permite criar vídeos falsos com a imagem de uma pessoa proferindo um discurso que nunca tenha feito. É possível criar expressões faciais, áudios, simulando o pronunciamento de uma pessoa real em um contexto em que ela nunca esteve. Uma imagem criada artificialmente e lançada nas redes sociais pode provocar sérios danos. Por isso é necessário criar regras para proteger a nossa privacidade.

Na semana que passou (02/07), o Governo Federal, por intermédio de sua Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), determinou a suspensão cautelar do tratamento de dados pessoais para treinamento da IA da Meta Platforms INC – Facebook Serviços Online do Brasil, big tech, dona de Facebook e Instagram.

Os nossos dados pessoais precisam ser preservados. Há uma violação constante da nossa privacidade. Há um algoritmo que nos persegue. Todos os nossos passos na rede mundial de computadores (World Wide Web – www) podem ser seguidos. Tudo que é postado nas redes sociais pode servir de insumo para a IA. Em síntese, os nossos dados podem ser colocados à disposição de pessoas e empresas sobre as quais não temos nenhum conhecimento. Recebemos, com frequência, ligações e mensagens disparadas por robôs.

Vejo muitas pessoas preocupadas com as coisas que “os olhos podem ver” e esquecem as que “só o coração pode entender”. Nenhuma máquina vai pronunciar um “te amo” com um coração pulsado pelo afeto. O homem só precisa ser humano para ser feliz. Não tenho dúvida: a felicidade nas redes sociais é um vácuo.

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