Escritores brasileiros ainda desconfiam do ChatGPT

02/04/2023 08:29
Por Ubiratan Brasil / Estadão

O mundo da tecnologia acompanha, curioso, os novos sistemas alimentados por inteligência artificial (IA), como o ChatGPT, ferramenta capaz de gerar textos coerentes sobre diversos assuntos – há quem use o ChatGPT para resolver tarefas complexas, como programar softwares, elaborar propostas de negócios e até escrever ficção. “Nesse terreno, porém, não vejo utilidade nenhuma em um robô”, contesta Cristóvão Tezza, autor do premiado O Filho Eterno. “Um texto literário verdadeiramente forte não será nunca resultado de uma conjugação mecânico-linguística de algoritmos, mas sim obra de uma pessoa, e é só por isso que pode ser forte e bom.”

Tezza encabeça uma lista de autores consultados pelo Estadão sobre a eficiência do ChatGPT. Praticamente todos, embora impressionados pela precisão na produção, revisão e tradução de diferentes tipos de textos, não veem o ChatGPT como auxiliar no trabalho porque ele não é capaz (ainda) de suplantar a sensibilidade humana. “Os escritores literários não têm o que temer, pois o texto da ferramenta é frio, anódino. Pode até impactar o mercado de trabalho, mas não acredito que os escritores de literatura serão os mais atingidos”, aposta Rodrigo Lacerda, também editor executivo do Grupo Editorial Record.

PESQUISA. Ele testou a opção gratuita da ferramenta e ficou impressionado. “Vislumbro um uso mais útil para a pesquisa”, acredita. “Afinal, quando se busca uma resposta sobre um determinado assunto, o Google oferece toneladas de sites e páginas até esbarrar na resposta exata que você está querendo, enquanto no ChatGPT, ao se fazer uma pergunta precisa, a ferramenta nos leva diretamente ao detalhe que se está buscando.”

Há quem utilize, porém, a ferramenta não apenas como fonte de pesquisa. “Testei o aplicativo recentemente para minha escrita”, conta Tobias Carvalho, vencedor do Prêmio Sesc de Literatura. “Eu estava em dúvida sobre como concluir uma cena e pedi algumas sugestões. Pelo que entendi, o GPT usa uma enorme base de dados, alimentada pelas pessoas, e cria algo semelhante ao que a gente diria. Pode ser bem útil como desbloqueador criativo, mas só imagino que, passando um pouco dos limites com o software, o autor pode ficar tentado a plagiar ideias – o que é engraçado porque, afinal, a quem pertence uma ideia criada por IA?”

Carvalho conta que acatou a sugestão oferecida pela ferramenta e a adaptou ao seu trabalho – algo, por ora, impensável para Raphael Montes, um dos principais autores de romance policial no Brasil. “Escrever literatura não tem nada a ver com enfileirar palavras”, observa. “A força da narrativa nasce da sugestão, do não dito, das entrelinhas, das nuances dos personagens. Acho que a ferramenta não faz nada disso.”

Para a escritora e psicoterapeuta Natalia Timerman, autora de Copo Vazio, a questão é mais ampla e antiga. “Sabemos que, de muitas formas, mesmo antes do ChatGPT, o impacto já começou”, disse. “Nossa capacidade de concentração, raciocínio, interesses e até a maneira de nos relacionarmos já foram profundamente modificados pela internet, pelas redes sociais, pelos algoritmos. E isso interfere na nossa capacidade e no nosso jeito de ler e de escrever.”

E há quem tenha descoberto outra função para a ferramenta. “Sei que, muitas vezes, as respostas são imprecisas e até mesmo erradas – o que, particularmente, me diverte”, conta Veronica Stigger.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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