Estadão/FAAP: Sem Bolsonaro, especialistas discutem propostas para o País

16/09/2022 16:59
Por Gustavo Queiroz e Davi Medeiros / Estadão

Diante da recusa do presidente Jair Bolsonaro (PL) em participar da série de sabatinas com presidenciáveis promovida pelo Estadão, em parceria com a Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), especialistas das áreas de educação, economia e direito debateram caminhos e propostas para o País. Entre os principais desafios do próximo governo, os convidados destacaram o combate à pobreza e o acesso adequado à Justiça. As entrevistas com os candidatos à Presidência teriam início na manhã desta sexta-feira, 16, mas a campanha de Bolsonaro informou que ele não compareceria. A cadeira reservada ao candidato à reeleição permaneceu vazia no palco do teatro da FAAP, onde ocorreu o evento.

Participaram do debate, nesta sexta, Priscila Cruz, presidente-executiva do Todos pela Educação e mestre em Administração Pública pela Harvard Kennedy School; Náila Nucci, professora da FAAP e assessora jurídica do Conselho Regional de Medicina de São Paulo, e Pedro Nery, colunista do Estadão e doutor em Economia. Em comum, os especialistas defenderam estratégias fundamentais para a garantia de direitos como a educação, o que, segundo eles, passa por uma melhor execução orçamentária.

Esses temas estão presentes na Agenda Estadão, uma série de reportagens que respondem a 15 questões fundamentais para o correto diagnóstico e superação de obstáculos que impedem o Brasil de atingir seu potencial máximo. Entre as perguntas estão como o governo pode corrigir a inversão de prioridades na educação; como a Justiça pode ser reformada com foco em eficiência e como adotar uma política de ajuda às pessoas em situação de extrema pobreza.

Entre as principais prioridades para o próximo governo, o economista Pedro Nery cita a inclusão dos excluídos do mercado formal de trabalho e a estruturação de uma agenda de combate à extrema pobreza. “Qualquer candidato que ganhe vai ter que tocar nisso ou está inclinado a tocar nisso”, afirmou.

“Tivemos uma discussão nos últimos anos no Brasil sobre combate à pobreza e à desigualdade que foi muito focada na transferência de renda. A gente teve uma reforma do Bolsa Família que, entre muitos defeitos, criou o Auxílio Brasil, um programa de orçamento muito maior que o do Bolsa Família. Temos uma capacidade grande de reduzir, talvez erradicar a pobreza nos próximos anos com alguns ajustes nesse benefício”, disse Nery. Ele defende correções no formato dos repasses do Auxílio Brasil, que, segundo ele, deveriam ser personalizados de acordo com a realidade de cada família, como ocorria com o Bolsa Família e o Auxílio Emergencial.

Orçamento da educação

A presidente-executiva do Todos pela Educação, Priscila Cruz, defendeu que a correta alocação de recursos à educação é uma “tarefa civilizatória”. Ela aponta a necessidade de aplicar mais recursos para a merenda escolar – que segue sem reajuste há cinco anos – e de minimizar os efeitos da pandemia por meio da recuperação da aprendizagem. Como mostrou o Estadão, a falta de verba para a merenda tem criado situações de precariedade na alimentação dos alunos, como a necessidade de dividir um ovo cozido entre várias crianças.

Para Priscila, a primeira ação que o presidente eleito deve tomar é a de recompor o orçamento da educação. Segundo ela, a expansão das escolas de tempo integral e a escolha adequada da equipe que comandará o Ministério da Educação também são medidas fundamentais nos próximos anos.

“Quando a gente pensa em priorização da educação, a primeira ideia que vem é o orçamento. Quando a gente olha por esse ângulo, o que aconteceu, especialmente na educação básica, foram as quedas sucessivas, ano após anos, do orçamento nesse governo. A última queda foi de R$ 1 bilhão e atingiu especialmente o recurso para a merenda escolar. É um sentimento muito visceral de imaginar crianças passando fome porque acontecem esses cortes todos e os recursos são direcionados para o orçamento secreto”, disse. Revelado pelo Estadão, o orçamento secreto é um esquema de troca de apoio de parlamentares no Congresso por repasses de verba sem transparência, por meio das chamadas emendas de relator.

Priscila também citou a divulgação dos dados do Ideb e Saeb, dois índices que avaliam a qualidade da educação no País e cujos resultados foram publicados na manhã desta sexta-feira. Ela argumenta que a aprovação automática de alunos observada durante a pandemia, o alto abandono escolar no período e a prática adotada por certas redes de inflar a participação de escolas de melhor desempenho nas provas fazem com que os resultados não reflitam o cenário atual brasileiro.

“Não dá para considerar o Ideb como um retrato do pós-pandemia da educação brasileira. Infelizmente, porque o Ideb é uma baita conquista. Poucas áreas têm um indicador sintético como a educação tem”, explicou a diretora do Todos pela Educação.

Acesso à justiça

Professora de direito da FAAP, Náila Nucci ponderou que, sozinhas, as leis não asseguram a civilidade, pois dependem de um conjunto de ações encampadas também pelo poder Executivo e por um “Legislativo mais consciente”. “Há uma cultura equivocada de que lei e pena resolvem conflito. No meu entender o que resolve conflito é educação e formação”, declarou, apresentando prioridades para o governo a ser eleito em outubro.

Segundo ela, a cultura de judicialização e os “tempos” do Judiciário podem ser prejudiciais à garantia destas leis. “Se por um lado se tem a garantia de acesso à justiça e todos os mecanismos de, em nome dela, se buscar uma prestação jurisdicional efetiva, por outro, existe uma cultura do contencioso, que chega a permear os bancos escolares dos permeadores do direito”, concluiu. Para a professora, essa cultura torna o judiciário lento e autofágico, em especial em regiões menos assistidas do território brasileiro, o que dificulta o acesso à justiça.

Entrevistados

A série de sabatinas promovidas pelo Estadão e FAAP continua na próxima semana. A candidata do MDB, Simone Tebet, será entrevistada na próxima segunda-feira, 19, e o pedetista Ciro Gomes, no dia 21, quinta-feira. Sorteado para participar da sabatina no dia 20, o petista Luiz Inácio Lula da Silva informou que não compareceria, a exemplo de Bolsonaro.

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