Estado de SP estuda contestar na justiça mudanças na Lei Rouanet
O secretário de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo Sérgio Sá Leitão afirmou, durante entrevista coletiva com o governador João Doria (PSDB) sobre a reinauguração do Museu da Língua Portuguesa, que as mudanças na Lei Federal de Incentivo à Cultura, também conhecida como Lei Rouanet, ferem a Constituição e o pacto federativo. Ainda segundo Sá Leitão, São Paulo e outros Estados já se movimentam para buscar soluções para reverter as mudanças feitas por um decreto assinado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) no Diário Oficial da União nesta terça-feira, 27.
Na semana que vem, Sá Leitão participa de uma reunião do Fórum dos Secretários Estaduais de Cultura, na qual o assunto deve ser debatido. “O decreto encerra uma visão restrita de cultura, retoma conceitos já superados e concentra o poder na Secretaria (Especial de Cultura) que aumentam o risco de dirigismo cultural, algo que jamais ocorreu na história desse mecanismo que tem 30 anos de funcionamento”, afirmou o secretário. Ele disse ainda que as mudanças criam novas “obrigações não previstas em lei” aos Estados e municípios, que, ainda de acordo com o secretário, ferem o pacto federativo e, por consequência, a Constituição, portanto o Estado de São Paulo já analisa a possibilidade de judicializar a decisão. “Já está com a procuradoria-geral do Estado. Nós estamos avaliando que medidas legais podem ser tomadas, porque esse decreto desvirtua a Lei Rouanet, expressa uma visão autoritária”, acusou o secretário. “Um decreto não pode legislar, não pode extrapolar a lei que ele regulamenta”, disse Sá Leitão. “Se o governo Bolsonaro queria mudar a lei, deveria mandar uma nova lei ao Congresso.”
Perguntado sobre a mudança da Lei Rouanet, o governador João Doria afirmou que “o governo federal faz danos à cultura e à vida do País”. Doria, porém, se concentrou mais em falar sobre a reinauguração do Museu da Língua Portuguesa, que acontece no próximo sábado, 31, às 11h, quase seis anos após o incêndio que destruiu parte do prédio da Estação da Luz, no centro de São Paulo, que abriga a instituição.
“Estamos voltando à normalidade e isso significa poder celebrar a reabertura do Museu da Língua Portuguesa”, afirmou o governador. O museu reabre com atrações já existentes que ganham roupagem diferente e com novos espaços expositivos e de convivência.
Entenda a reabertura do Museu da Língua Portuguesa
A diretora do museu, Marília Bonas, ressaltou as medidas sanitárias adotadas pela instituição para abrir ao público, como um percurso unidirecional para os visitantes percorrerem o prédio, uma caneta para que não haja contato direto do dedo nas experiências interativas, uso obrigatório de máscaras, distanciamento social, sinalização ostensiva e álcool em gel disponível nos espaços.
A experiência do novo Museu da Língua Portuguesa será nova tanto para os que já conheciam o local antes do incêndio quanto para os que nunca haviam feito o passeio. Um dos principais espaços pré-existentes era uma área que conta a história do idioma, desde seus primórdios no latim vulgar, passando pelos intercâmbios com outras línguas graças ao fluxos migratórios e chegando às mudanças contemporâneas em tempos de internet. Esse setor, que traz recursos digitais e totens que dissecam as influências de idiomas indígenas, europeus, africanos e de outras partes do mundo no português, foi renovado, contando também com alguns objetos que ajudam a narrar essa história de séculos de uma maneira mais didática.
Se o acervo permanente do Museu da Língua Portuguesa sempre foi seu grande destaque, a instituição passará a dar ênfase a suas exposições temporárias. A mostra que reinaugura o museu é intitulada Língua Solta e faz um paralelo entre artes visuais e o idioma, reunindo obras de artistas como Arthur Bispo do Rosário, Leonilson e Mira Schendel, além de artistas populares, anônimos e até da internet. A seleta conta com trabalhos que usam letras, palavras e frases inteiras de modo visual e evidencia a intimidade entre a língua e as artes plásticas, uma afinidade nem sempre tão óbvia.
Entretanto, há diversos espaços novos para os visitantes explorarem, especialmente no terceiro pavimento do edifício. Um deles é a Praça da Língua, situada numa cúpula onde são projetadas imagens que acompanham narrações de frases de autores como Fernando Pessoa e Carolina Maria de Jesus sobre a língua portuguesa. É lá também que há um novo terraço a céu aberto com vista para a Praça da Luz e sob a sombra da torre da estação, um novo panorama da cidade.
Ainda no terceiro pavimento, há um espaço com totens audiovisuais que exploram os diferentes sotaques presentes entre os falantes do idioma, desde pessoas de várias partes do Brasil até nascidos em outros países que adotaram o português posteriormente. Essa área dá voz às expressões urbanas, rurais, regionais, mestiças e de outras origens, celebrando a diversidade de falares.
Essa diversidade, aliás, foi motivo de uma polêmica recente. No dia 12 de julho, o museu usou em suas redes sociais a expressão de gênero neutro “todes”, que inclui pessoas não binárias, o que provocou uma reação do secretário especial da Cultura do governo federal, Mário Frias.
O Museu da Língua Portuguesa funcionará de terça a sábado, das 9h às 18h. Os ingressos custam R$ 20 (R$10 a meia entrada) e serão comprados exclusivamente pela internet mediante agendamento. A entrada é gratuita aos sábados.