Estupro virtual: quando as redes sociais se tornam o campo fértil para a prática de crimes
Integrar os quadros da Polícia Civil me proporcionou a possibilidade de não só estudar segurança pública, mas vivenciá-la. As hipóteses em abstrato, até então previstas nos livros de direito penal, materializam-se das mais diversas formas no dia a dia de um policial. Aliás, não são nos bancos acadêmicos que conhecemos a dor da vítima de um crime e de seus familiares, mas na nossa atuação profissional.
Na coluna de hoje, mudando os personagens do caso concreto, vou dividir com o leitor um episódio que muito me marcou quando em um plantão, em uma Delegacia de Polícia na região serrana. E assim o farei nas próximas colunas, por acreditar que a informação é fundamental para evitar que casos semelhantes voltem a se repetir. O objetivo não é esmiuçar o tipo penal e a pena cominada em abstrato, mas dividir como atuam os criminosos em determinados casos, visando impedir que outras pessoas também se tornem vítimas quando se depararem com situações semelhantes.
Feitas essas ponderações, o caso que passo a narrar ocorreu há seis anos. Embora possa parecer muito tempo, o tema continua muito atual. Pela primeira vez em minha carreira como Delegada de Polícia, me deparava com o chamado “estupro virtual”. Trata-se de um ato sexual, praticado pela própria vítima, após ser ameaçada por um criminoso no ambiente virtual. Repare que não é necessário o contato físico entre autor e vítima. Muito pelo contrário. Normalmente estas pessoas estão à quilômetros de distância, podendo se encontrar até em países diferentes, mas conectadas de alguma forma pela internet.
O crime em tela envolvia a seguinte situação: uma menina de aproximadamente 12 anos de idade, que tinha acesso liberado a jogos online e redes sociais, sem qualquer supervisão. Em suas redes sociais, em um perfil aberto, essa criança postava fotos de sua família, de sua escola, de sua casa e de sua rotina. Em um desses jogos online, em que há a possibilidade de interagir com outros jogadores, essa criança conheceu outra pessoa que se identificava como um menino, também com 12 anos. Por meses, a menina dividiu informações sobre sua vida pessoal com essa pessoa, acreditando ser um jovem da mesma idade. Depois de conquistar a confiança da vítima e angariar informações suficientes através das redes sociais para ameaçá-la, o criminoso solicitou à menina que abrisse a webcam de seu computador para que pudessem se conhecer melhor.
Nesse momento, a surpresa! Do outro lado da tela, encontrava-se um homem com seus 60 anos de idade, que passou a ameaçar a vítima. Dizia ele que mataria os pais da menina, caso não cumprisse suas ordens. Dessa forma, com o objetivo de satisfazer sua própria lascívia, esse homem passou a obrigar a vítima a praticar sexo consigo mesma, dentre esses atos, a masturbação na frente da câmera. Importante esclarecer que todas as fotos que o agressor possuía da família da vítima, utilizadas para ameaçá-la, foram adquiridas nas redes sociais. Com medo, a criança passou a praticar atos sexuais forçados na frente da webcam, tornando-se mais uma vítima do crime de estupro virtual. Infelizmente, esse fato ainda perdurou por alguns meses, até o dia em que a mãe da vítima retornou mais cedo do trabalho, flagrando a prática do crime. Desesperadas, mãe e filha procuraram a Polícia Civil, momento em que se iniciou uma investigação criminal.
Confesso que não me recordo sobre o desfecho do inquérito, pois logo depois fui transferida daquela unidade policial para outra Delegacia. Provavelmente o autor fora identificado e preso, mas certamente os danos causados à vítima não foram reparados.
Fica, no entanto, a lição. O ambiente virtual, especialmente quando utilizado por crianças, demanda dos pais ou responsáveis uma série de medidas para preservá-las. Devido à imaturidade, própria da tenra idade, crianças tornam-se alvos fáceis de criminosos. Por esse motivo, algumas sugestões são importantes. Primeiramente, a supervisão do conteúdo acessado por esses jovens na rede mundial de computadores.
Com efeito, caso a criança já possua algum tipo de rede social, deve haver a restrição do perfil para acesso apenas por amigos – efetivamente conhecidos – e familiares. Nesse caso, muito cuidado com o conteúdo das postagens! Seja cuidadoso na publicação de fotos e evite compartilhar localizações e informações pessoais. Importante manter as portas abertas dos cômodos onde as crianças tenham acesso aos computadores. Por fim, importante esclarecer às crianças sobre os crimes que podem ser praticados no ambiente virtual, reforçando que se forem ameaçadas, devem comunicar imediatamente aos seus pais ou responsáveis. Nesse caso, procure sempre as forças de segurança pública, sendo importante registrar o ocorrido na Polícia Civil para que uma investigação seja iniciada.