Ética, lava-jato e internet
Há dois milênios, Cristo caminhou por estas paragens terrenas a nos dizer que diante do Pai, somos todos iguais. Nenhuma afirmação poderia ser mais peremptória contra a escravidão. O grande Aristóteles e as religiões de então encaravam como normal a existência de senhores e escravos como um fato permanente da vida. E foram, de fato, precisos 20 séculos para que a humanidade se livrasse da escravidão, considerada normal. Haveria diferenças intrínsecas entre as pessoas. Da mesma forma, o mandamento de amar ao próximo como a si mesmo tem tido muita dificuldade de ser uma prática de nosso dia a dia. Talvez porque as pessoas não se deem conta de que amar a si próprias é pré-condição para se conseguir realmente amar ao próximo.
Tão difícil quanto praticar o amor ao próximo é atender o chamamento de Cristo: “Sede perfeitos como Pai é perfeito”. Para tanto, o relacionamento entre as pessoas deveria ser transparente sem nada deixar na zona de penum-bra. Por mais que a ética e a religião tenham tentado fazer a humanidade caminhar nessa direção, os resultados são pobres. Mas, de repente, não mais que de repente, surgem novas tecnologias, com gravadores diminutos e inter-net, que deixam o ser humano nu diante de seus segredos mais recônditos. Claro que muito a contragosto dos envolvidos. Mas tremendamente favoráveis a que a população tome conhecimento das mazelas de quem deveria estar comprometido com a firme defesa do interesse público, ou seja, os políticos.
A divulgação das gravações feitas pelo sr. Sérgio Machado, ex-presidente da Transpetro, amigo chegado de figurões desta república em tom (muito) menor, provocou um terremoto no andar de cima. Uma corrente de rabos presos: Renan, Sarney, Romero Jucá, Edson Lobão, Lula novamente, dentre outros menos conhecidos, mas não menos ávidos em meter a mão no dinheiro público. O ex-deputado Pedro Corrêa disse em sua delação que Lula participou da divisão das propinas oriundas do assalto à Petrobrás. E olha que Lula se diz defensor intransigente das estatais. A rigor, queria apenas continuar com a chave do cofre nas mãos. Claro que se fosse privatizada, a mamata acabaria. Dele e dos companheiros.
A mais séria revelação desse strip tease, que os deixou despidos diante da opinião pública, foi o complô para brecar a Lava-Jato. O juiz Sergio Moro, de imediato, alertou para a tentativa de manter os poderosos impunes. A linha de argumentação dessas criaturas do pântano é o velho formalismo brasileiro, craque em mandar às favas os fatos mais que comprometedores, e se apegar a filigranas jurídicas que pudessem “estancar a sangria” nas palavras de Romero Jucá. Sangria era o codinome da Lava-Jato, aquele jorro desinfetante incômodo com alvos preferenciais nos figurões de que queremos nos livrar para sempre.
E a conspirata continua. Lula, pago com nosso dinheiro, está conforta-velmente instalado no Palácio da Alvorada (agora do Crepúsculo, nome mais adequado ao momento). Ele vem-se reunindo com os 20 senadores que votaram e continuam apoiando Dilma e mais dois, Romário e Acir Gurgacz, que poderiam mudar sua posição na votação definitiva do afastamento dessa senhora que arrasou o país. Estes dois votos permitiriam o retorno de Dilma.
Parece que não se deram conta de que no meio do caminho tem uma rocha, a opinião pública vigilante e atuante, que vai para as ruas sempre que for preciso. Mesmo que a metralhadora giratória do sr. Sérgio Machado emperrasse, ainda assim seria muito difícil emplacar a volta de Dilma ou impedir que a Lava-Jato siga adiante. A essa altura, é bom lembrar a falta que nos faz um regime parlamentarista com um Chefe de Estado neutro, como tivemos sob Pedro II. Alguém que não deva favores a partidos políticos e a grupos econômicos, e a quem o Primeiro-Ministro, por lei e tradição, não pode mentir, devendo prestar contas semanais de seus atos. E aí os caminhos da ética teriam uma chance real de se impor à vida política nacional.
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