‘Eu não queria fazer panfleto político’, diz Wagner Moura

01/11/2021 08:20
Por Mariane Morisawa, especial para o Estadão / Estadão

Wagner Moura sabe o que é polêmica. Seu Capitão Nascimento de Tropa de Elite, dirigido por José Padilha, foi alvo de debates, discussões acaloradas, artigos inflamados. “Isso é bom. É democrático”, disse ele, em entrevista ao Estadão, em um hotel em São Paulo. “Mas, naquela época, ninguém tentou embargar o filme.”

Com Marighella, seu primeiro longa-metragem como diretor, que finalmente chega ao Brasil dois anos e nove meses depois de sua première mundial no Festival de Berlim, foi diferente. “Dirigir foi muito prazeroso”, afirmou, sobre o filme que tem pré-estreia a partir desta segunda, 1º, e lançamento oficial na quinta, 4. “O mais difícil foi enfrentar o extracampo, o fascismo, os ataques, a violência, a falta de grana. Nunca a gente teve paz. Hoje, estão dando nota baixa no IMDb sem ter visto. Não para. É o governo federal atacando.”

O filme sobre Carlos Marighella, que pegou em armas para resistir à ditadura militar, teve negados vários pedidos de comercialização junto à Ancine. A pandemia contribuiu ainda mais para o atraso de seu lançamento. Mas as pré-estreias em Fortaleza, Salvador, Rio de Janeiro e São Paulo na semana passada deixaram Wagner Moura cansado, porém energizado a brigar pelo que fez. “Não tenho medo. Só acho triste”, disse. “Por um tempo fiquei pensando: ‘Caramba, fiz um filme polêmico’. Mas hoje tenho consciência absoluta de que toda essa história tem mais a ver com o tempo que vivemos do que com o filme.”

Wagner Moura tinha vontade de dirigir, mas não imaginava que seria algo da magnitude de Marighella, uma produção cheia de cenas de ação, mas que abre espaço para os momentos de dúvida, de contestação, de leveza, de humanidade. “Eu me interesso pelas pessoas. Todos os personagens, todos os guerrilheiros, estão vivos na tela, são pessoas com conflitos”, disse. “Se não, viraria vetor de um panfleto político. E quem quer ver isso? Eu não quero.”

HINO

O ator e diretor nasceu em 1976, no meio da ditadura militar e após o assassinato de Marighella pelas forças de repressão da ditadura, em 4 de novembro de 1969. Ele se lembra de cantar o Hino à Bandeira diariamente na escola, com o professor chamando o golpe de 1964 de revolução, como em uma cena do filme. “Éramos adestrados nessa narrativa”, disse. Seu pai, militar, não era muito politizado. Seu interesse por política foi chegando aos poucos. Hoje, militante pelos direitos humanos, especialmente contra o trabalho escravo, lembra-se de presenciar situações de escravização constantemente, em Rodelas, na Bahia, onde nasceu. “Eu achava que aquilo era normal”, contou. “Quando você vai crescendo, vai repensando as coisas. E aí vai dando raiva. Muito da militância vem da raiva, porque nosso País é injusto, desigual.”

Foi então que Moura começou a se interessar pelas pessoas que resistiram ou se rebelaram. Por exemplo, Carlos Marighella, baiano como ele e avô de sua amiga Maria Marighella. Foi ela quem lhe mostrou o livro Marighella: O Guerrilheiro que Incendiou o Mundo, de Mário Magalhães. Na hora, ele soube que queria ver o longa e produzir. Acabou dirigindo também. “O filme nasce da minha admiração por ele? Claro”, disse Moura. “Mas não estou aqui para defendê-lo. Marighella é colocado em xeque o filme inteiro, por todo o mundo, o tempo todo.”Em um deles, a sua companheira Clara (Adriana Esteves) diz que existem outras formas de resistência e que não admite que Marighella fale de luta armada com superioridade moral – Clara resistia à sua maneira. Tinha muita gente que não pegou em arma e mesmo assim foi torturada e morta. O diretor destaca o papel do jornalismo, tão atacado ainda hoje, e que sofria censura na época. “Assista e tire suas conclusões”, completou Wagner Moura.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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