Ex-bombeiro, Dalton Paula ganha mostra no Masp

29/07/2022 08:20
Por Antonio Gonçalves Filho / Estadão

Nascido em Brasília e criado em Goiás, Dalton Paula, um ex-bombeiro, é hoje, aos 39 anos, um artista consagrado, com obras nos acervos do Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA), do Art Institute of Chicago e participação na Bienal de São Paulo (a 32ª edição, em 2016). Agora ele ganha uma exposição individual no Museu de Arte de São Paulo (Masp), Retratos Brasileiros, a ser aberta nesta sexta, 29.

A exposição reúne um conjunto de 30 retratos de negros que ajudaram a mudar o País e tiveram seus nomes simplesmente apagados pela história oficial. Com curadoria do diretor artístico do Masp, Adriano Pedrosa, da curadora-assistente do museu, Glaucea Britto, e da historiadora Lilia Moritz Schwarcz, curadora convidada, a mostra presta tributo a líderes e mártires negros, das quais 12 foram doadas ao museu pelo artista.

É um gesto generoso de Dalton Paula, cujos retratos custam hoje US$ 20 mil cada um. Representado no Brasil pela Galeria Sé, de São Paulo, e, nos Estados Unidos, pela Alexander and Bonin, o pintor brasileiro conseguiu figurar na galeria nova-iorquina ao lado do pintor irlandês Sean Scully, grande nome da abstração geométrica.

No começo, quando saiu de Brasília e montou residência em Goiânia, Dalton vendia suas pinturas por um valor simbólico, apenas para comprar tintas e telas. Trabalhando por 12 anos como bombeiro (de 2004 a 2016), ele usou o tempo livre para estudar arte. O esforço foi recompensado: premiado, participou de mostras importantes como o Panorama de Arte Brasileira do MAM (em 2019) e, atualmente, corre os EUA na itinerância da premiada mostra do Masp, Histórias Afro-Atlânticas.

MISSÃO

Com humildade, Dalton fala de seus retratos como uma missão que recebeu de seus ancestrais. “Eu não via corpos negros nas capas de revista, sentia-me deslocado, e então, ao frequentar quilombos, senti que essa invisibilidade do negro era como uma doença que precisava de cura.”

Numa sociedade branca e eurocêntrica, em que o gênero retrato surgiu para servir às elites políticas, sociais e religiosas, como lembra a historiadora Lilia Schwarcz, foi um gesto revolucionário de Dalton tirar do limbo heróis negros como os líderes Daniel e João Antonio de Araújo. Ambos escravizados, reivindicavam alforria e planejaram uma insurreição contra seus senhores.

Lilia observa que a história oficial ensina os escolares que a princesa Isabel teria “dado a liberdade” a esses escravos, “apagando toda uma atividade rebelde de pessoas negras que lutaram pela liberdade”. Escravos, até então, só eram fotografados para o uso da ciência ou como modelos de “servidores dóceis e subjugados” em fotos vendidas no exterior, complementa.

Dalton teve a ideia de recorrer a personagens históricos renegados para distinguir seus ancestrais com a mesma deferência com que os retratistas do passado tratavam os nobres e burgueses caucasianos.

CABELOS

“Os cabelos dos retratados são sempre pintados com folhas de ouro, que fazem as vezes de coroas (ou auras) ou do ori (cabeça em iorubá, um conceito espiritual relacionado à intuição)”, explica Dalton. O ouro, na tradição da pintura ocidental, distingue os santos dos simples mortais, por ser um metal de natureza incorruptível.

A cor de fundo dos retratos é quase sempre o azul-celeste dos retratos populares colorizados que parentes de anônimos encomendam para eternizar a memória dos seus mortos. “Sinto-me como um arqueólogo ao pintar esses retratos da gente dos quilombos”, diz Dalton, contando que muitos de seus “anônimos” são descritos pelos descendentes quilombolas como um retrato falado, de forma precisa.

Há casos curiosos de personagens como o de um “feiticeiro” de Minas Gerais, pintado com vestes brancas e fundo verde, cores associadas à medicina e à cura com ervas medicinais. Outro pai de santo cultuado na diáspora, o Pai Assumano, alufá (chefe religioso) radicado no Rio, é retratado como um líder islâmico com seu boné de oração pintado com pó de ouro. E não são só homens nessa narrativa: Mariana Crioula, que participou da fuga de escravos liderados por Manuel Congo, morta em 1838 pela Guarda Nacional, é eternizada como rainha por Dalton.

Seus trabalhos mais recentes são a capa da biografia de Lima Barreto por Lilia Schwarcz e a ilustração de dois livros infantis do cantor e compositor Itamar Assumpção (1949-2003).

Retratos Brasileiros

Masp. Av. Paulista, 1.578, tel. 3149-5959. 3ª, 10h/20h, gratuito. 4ª/dom., 10h/18h. R$ 50. Até 30/10

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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