Ex-Odebrecht, Novonor tenta virar a página ao se especializar em construção civil
Quando mudou seu nome para Novonor, há um ano e meio, o grupo Odebrecht, fundado pelo patriarca da família, Norberto Odebrecht, tinha o objetivo de deixar para trás o passado da empresa, em especial as práticas de corrupção que vieram à tona com a Operação Lava Jato e que marcaram o início da decadência da companhia. Embora ainda tenha os mesmos donos, o grupo reformulou toda a liderança e está redefinindo a sua rota para buscar uma saída para seu enorme processo de recuperação judicial, que inclui dívidas superiores a R$ 100 bilhões.
O novo comando da empresa faz a leitura de que o caminho está pronto para a retomada, ainda que bem longe dos níveis anteriores. “Quando cheguei, o caminho já estava pavimentado, com a recuperação judicial homologada, acordos de leniência feitos e pudemos partir e olhar para o futuro”, diz o presidente da Novonor, Hector Nuñez, que assumiu o posto em março, após ter passado pelo conselho de administração do grupo.
Nuñez afirma que a empresa fez o dever de casa em termos de governança e se debruçou em estruturar processos de compliance. Com o baque da Lava Jato, deixou de ser uma gigante de quase 130 mil funcionários – hoje, são cerca de 30 mil. Além dos custos das investigações da Polícia Federal, a companhia afirma que a recessão que o Brasil viveu a partir de 2015 afetou seus negócios. “O setor (de construção) vive de ciclos, de altas e baixas”, resume Maurício Cruz Lopes, presidente da OEC (nova marca da antiga Odebrecht Engenharia e Construção).
A OEC será agora o negócio central da Novonor, substituindo a petroquímica Braskem, que tem o posto hoje, mas está à venda. O faturamento do braço de construção foi de US$ 500 milhões em 2021 – muito distante dos US$ 10 bilhões que a empresa arrecadava ao ano no início da década passada. Mas Lopes diz que a tendência é de alta: neste ano, espera faturar de US$ 1,1 bilhão a US$ 1,2 bilhão.
Segundo Nuñez, a antiga meta de ser a maior empreiteira do País ficou no passado. A OEC não pretende mais disputar contratos de concessões, que exigem investimentos bilionários tanto para a construção quanto em valores de outorgas para o governo.
Agora, a ordem é atuar como uma parceira de companhias vencedoras na área de construção. Hoje, a OEC tem 22 projetos em andamento, sendo o maior deles a usina hidrelétrica de Laúca, em Angola. No Brasil, são 11 obras, como o Prosub, programa de submarino nuclear, e o terminal de gás de Babitonga, em Santa Catarina.
O cenário do setor é bem diferente do visto na década passada. De 2012 a 2020, a participação da infraestrutura no PIB brasileiro caiu 50%. A coordenadora de projetos de construção do FGV Ibre, Ana Castelo, acredita que o cenário terá uma melhora nos próximos anos com as novas concessões do governo federal.
Ela enxerga uma chance para a Novonor abocanhar parte deste mercado, embora saliente que a recuperação de imagem ainda está longe de ser concluída. “A empresa vai ter um grande trabalho a fazer. É possível retomar, mas ela precisará mostrar que suas regras são transparentes e que o sistema de compliance é forte.”
RECUPERAÇÃO JUDICIAL
Para seguir os planos, contudo, é crucial pagar aos credores da recuperação judicial. Apenas assim a Novonor voltará a ter mais linhas de crédito – apesar de Nuñez afirmar que a empresa não está tendo problemas para obter financiamentos.
Para fechar as contas, a Novonor precisará vender uma série de empresas. A sua joia na coroa é a Braskem, que vale R$ 30 bilhões e tem a Petrobras como sócia. Depois de várias tentativas de venda no mercado, a companhia deverá sair do negócio via Bolsa, nos próximos meses.
Outras empresas, como a Ocyan, de óleo e gás, assim como a OTP, que congrega as concessões rodoviárias da empresa, já contrataram bancos para buscar compradores. A empresa já vendeu a Odebrecht Ambiental e a Atvos (antiga Odebrecht Agroindustrial).
Ao mesmo tempo que planeja o futuro, a Novonor ainda enfrenta questões do passado. Um dos exemplos é o pagamento do acordo de leniência de R$ 2,7 bilhões celebrado em 2018 – o maior entre as construtoras envolvidas na Lava Jato.
Há duas semanas, o Estadão mostrou que um grupo de empreiteiras está em busca de renegociações dos valores de acordos, alegando o difícil momento econômico e a dificuldade desses negócios em firmar contratos com o governo.
Nuñez, no entanto, afirma que a Novonor seguirá com o pagamento e que não há renegociações em andamento. Até agora, a empresa pagou cerca de R$ 150 milhões, ou 5,5% do total da multa. Outro ponto que Nuñez afirma estar resolvido é a separação das disputas envolvendo a família Odebrecht, que controla a Novonor, e a operação do negócio. “Isso não impacta o nosso dia a dia.”
UM LONGO CAMINHO
Gigante nacional: Em uma fase de “boom” da infraestrutura, o grupo Odebrecht chegou a ter 130 mil funcionários; em paralelo ao crescimento de seu negócio principal, fortemente calcado em obras públicas, o grupo também se expandiu para outros segmentos.
Lava Jato: Em 2014, a Polícia Federal deu o pontapé inicial na Operação Lava Jato, esquema de corrupção envolvendo a Petrobras, mas que afetou também todas as principais empreiteiras do País, incluindo a Odebrecht.
Planilhas de propinas: O esquema de pagamento de propinas da Odebrecht incluía uma lista com apelidos dados a políticos, entre eles “Viagra”, “Barbie” e “Feio”.
Prisão: O empresário Marcelo Odebrecht, que comandava o grupo, foi preso no âmbito da Lava Jato por quase dois anos. À prisão, seguiu-se uma briga familiar: Marcelo foi demitido por justa causa do grupo, no fim de 2019, por ordem de seu pai, Emílio.
Recuperação judicial: Com a perda de contratos de construção civil, a recessão econômica e prejuízos em outros negócios, a Odebrecht entrou em recuperação judicial também em 2019; no fim de 2020, enquanto já tentava se reerguer, mudou seu nome para Novonor.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.