‘Existe no país um projeto ecocida’, diz Araquém Alcântara

17/04/2021 13:50
Por João Prata / Estadão

O fotógrafo Araquém Alcântara já foi quase uma centena de vezes à Amazônia e perdeu as contas de quantas outras esteve no Pantanal. São 50 anos de carreira, boa parte dedicada a mostrar a paisagem brasileira. Nos dois últimos anos, registrou duas tragédias ambientais nesses biomas.

Em 2019, ele sobrevoou a Floresta Amazônica em chamas, com mais de 15 mil focos de incêndio, e ficou chocado, também, com a invasão das mineradoras nos rios da região. “Mais uns anos assim e não vai ter mais nada”, avaliou. No ano passado, entre agosto e setembro, Araquém fotografou o Pantanal, a maior planície alagada do mundo. A paisagem lhe lembrou a terra seca, rachada, do sertão nordestino, com centenas de animais mortos e outros desesperados à procura de alimento. “Os riachos totalmente secos. Os bichos desorientados me impressionaram. Deu para perceber a gravidade da aridez. Elas chafurdavam no resto de lama.”

A preocupação de Araquém agora é que tudo se repita em 2021 e se tornem rotina as queimadas por causa da ausência do poder público. “Passamos de março, já era para deputados da região estarem criando brigadas de proteção permanente, alertando para o início da seca, mas não se vê nada. A única atitude tem vindo de ONGs, moradores, fazendeiros e donos de pousadas.”

Em suas redes sociais, Araquém divulgou as imagens que fez nesses 21 dias. Mas na comemoração de seus 50 anos de carreira, completados em 2020, optou por lançar livros que mostrassem também as belezas da natureza do Brasil, como uma advertência sobre a importância de preservar. Em dezembro, ele lançou um livro sobre a Serra do Amolar, no Pantanal, e criou o projeto Pindorama. Em outubro deve sair o livro sobre os 50 anos de carreira, com imagens do trabalhos e fotos inéditas.

Por que decidiu lançar um livro sobre as belezas do Pantanal logo após sua maior tragédia?

Saiu muita coisa sobre as queimadas do Pantanal no ano passado. Eu já estava fazendo o livro sobre os meus 50 anos de fotografia, pela editora Vento Leste, que trata sobre os dois lados, a beleza e o fogo, o verso e o reverso. O do Pantanal é da minha editora, Terra Brasil. E agora vai sair um projeto digital, “on demand”, chamado Pindorama, com imagens como se fosse o Brasil antes de Cabral. É um canto de amor ao País. Tenho sempre a beleza como fator fundamental porque a fotografia é uma serva da beleza, como diria Carlos Drummond de Andrade.

Você já tinha finalizado o livro quando aconteceu o incêndio?

Estava editando quando 28% do Pantanal foi embora. A área que foi queimada em 2020, segundo pesquisadores, supera em dez vezes a área de vegetação perdida em 18 anos. Em 2020, queimou 23 mil km².

Acredita que em 2021 pode haver nova tragédia na região?

Estamos no pico de seca e tudo pode acontecer de novo. Precisa de pelo menos cinco anos sem queimadas para recuperação do bioma perdido.

No seu livro você conta que há uma espécie fotografada que ainda nem havia sido registrada pelos biólogos.

As florestas são um grande laboratório de conhecimento. Tenho acompanhado a velocidade de desertificação nos últimos 50 anos. Estamos em um ponto crucial de mutação da floresta. Hoje ultrapassa 20% o perigo de, juntamente com as mudanças climáticas, vir a savanização.

O que acha que pode se feito para mudar esse cenário?

Só a opinião pública mundial e a abertura de estudos científicos nas florestas podem salvar do desmonte total. Quiseram acabar com áreas de manguezais, liberar garimpo. Existe um projeto ecocida no País. É um crime de lesa-humanidade.

Quais as soluções para evitar incêndios dessa proporção?

Há muito se fala em ter brigadas de incêndio permanente, conscientizar os moradores, realizar exercícios de combate ao fogo. Essa atitude precisa da intervenção e gerência do Estado, do poder público. E vai ter de ter uma movimentação da sociedade organizada.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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