Êxodo da Ucrânia afeta economia e sistemas de saúde do Leste Europeu

27/03/2022 07:34
Por Fernanda Simas / Estadão

A maior onda de migração na Europa desde a 2.ª Guerra, com 3,7 milhões de ucranianos em um mês de ofensiva russa, desafia o sistema econômico e a estrutura sanitária no Leste Europeu. Segundo o Banco Mundial, o êxodo custará até 30 bilhões de euros aos países de acolhida em 2022 e autoridades de saúde alertam para o risco da disseminação de doenças, entre elas a covid-19.

A Polônia, país que recebeu mais refugiados até o momento, 2,2 milhões, deve gastar 0,25% de seu PIB até abril para responder à crise, segundo o Citigroup. A Moldávia, que recebeu 376 mil refugiados, terá o auxílio de Alemanha, França e Romênia, que definirão em abril os detalhes da ajuda.

A maioria dos refugiados é de mulheres e crianças, até porque o governo de Volodmir Zelenski proibiu os homens em idade de lutar de deixarem o país. Mais da metade das crianças na Ucrânia foram obrigadas a abandonar suas casas. “Um mês de guerra provocou o deslocamento de 4,3 milhões de crianças, mais da metade da população infantil do país, calculada em 7,5 milhões”, afirmou o Fundo da ONU para a Infância (Unicef).

Do total de crianças deslocadas, 1,8 milhão atravessou a fronteira para buscar refúgio nos países vizinhos e 2,5 milhões permanecem dentro da Ucrânia. Esse cenário terá impacto na demografia ucraniana. “A questão cultural, a proximidade da Europa, levou a uma abertura de fronteiras muito rápida. Logo vieram medidas para reduzir a burocracia para que as pessoas pudessem entrar. Mas entre receber e estruturar a vida dessas pessoas há um passo maior. Integrar as pessoas não é criar campos de refugiados”, explica Alexandre Uehara, professor da ESPM-SP e especialista em êxodos por guerras.

Para ele, existe um impacto também no caso de a Ucrânia passar ao controle russo. “Quando essa população deixa a Ucrânia, o retorno não é tão simples. Se a Rússia mantiver o controle político, isso levará a tensões dentro da Ucrânia, afinal a população que está lá, é mais pró-Ocidente. Isso dificulta ainda mais a volta das crianças”, afirma Uehara.

Deslocados

“Uma pessoa que tem o fundado temor de perseguição deve receber proteção. Os outros países devem abrir as fronteiras e fornecer políticas públicas para essas pessoas, com saúde, educação e até cursos de idioma, por exemplo”, diz a porta-voz da Human Rights Watch no Brasil, Maria Laura Canineu.

Além disso, é preciso lembrar do alto número de deslocados internos, mais de 6 milhões. “Isso terá um impacto na Ucrânia pós-guerra, serão mais de 10 milhões de pessoas precisando de auxílio. O custo socioeconômico é muito alto. Falta comida, água, energia e isso vai piorando a cada dia”, disse Uehara.

Para a HRW, uma das preocupações é a situação em Mariupol, cidade cercada pela Rússia. “Esse tipo de cerco permite que poucas pessoas saiam. Então, vemos milhares de pessoas sem água, sem eletricidade e sem aquecimento em temperaturas congelantes. A comida está acabando. Isso retrata um pouco da tática brutal”, disse Maria Laura.

Além dos impactos econômicos e sociais, ter milhares de pessoas se deslocando implica muitos riscos do ponto de vista de saúde pública, principalmente no meio de uma pandemia. “Trata-se de uma população cujo nível de vacinação é baixo, cerca de 35%. Muitas pessoas podem chegar infectadas nos pontos de parada. Além disso, vão se aglomerar em locais de acolhida, e isso pode levar a focos de covid”, afirmou o médico e pesquisador no Instituto de Saúde Global de Barcelona, Quique Bassat.

Epidemias

Segundo a OMS, apenas 31% das crianças ucranianas foram imunizadas contra o sarampo, a rubéola e a caxumba em 2016. Entre 2017 e 2019, mais de 100 mil pessoas contraíram sarampo na Ucrânia e 31 morreram, a maioria crianças. O país é o que mais sofre com epidemias de sarampo na Europa. “O sarampo necessita de uma cobertura vacinal de 95% para alcançar imunidade de rebanho”, afirma Bassat.

Para o pesquisador, é preciso que os países do Leste Europeu preparem estruturas sanitárias para receber os refugiados. “Os países que vão receber essas pessoas estão sujeitos a focos de doenças infecciosas, aumento da pressão assistencial para patologias crônicas. Podem ocorrer focos de sarampo ou tuberculose, justamente pelo acúmulo de pessoas. Os centros de acolhida terão de ter um plano de saúde pública com detecção precoce de possíveis focos de doenças e vacinação.”

Enquanto os países que recebem milhões de mulheres e crianças ativam programas sociais e pensam em soluções de longo prazo, também precisam lidar com a saída de homens ucranianos que decidem voltar à Ucrânia para lutar.

Na Polônia, o setor de construção tem dificuldade em encontrar mão de obra. “Os ucranianos deixaram seus locais de trabalho e foram defender o país”, disse a ministra polonesa da Família e Assuntos Sociais, Marlena Malag. “Antes da guerra, o ramo empregava 1,3 milhão de pessoas, das quais 480 mil eram estrangeiros. Entre eles, quatro em cada cinco eram ucranianos”, disse Jan Stylinski, presidente da associação dos trabalhadores da construção civil da Polônia. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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