Favela 3D: digna, digital e desenvolvida

29/09/2021 08:00
Por Gilberto Amendola / Estadão

O empreendedor e ativista social Eduardo Lyra, de 33 anos, estava pedalando em direção ao Central Park, em Nova York, quando atendeu a reportagem do Estadão. O criador da ONG Gerando Falcões está passando uma temporada na Big Apple para aprender inglês e avançar com sua startup social de captação de investimentos para favelas.

“Na vida, você cumpre etapas. Do zero aos 20 anos, eu passei tentando vencer a pobreza; dos 20 aos 30, estava montando a Gerando Falcões. Agora, aos 33 anos, estou tentando virar uma nova etapa. Eu quero dialogar com um mundo para atrair recursos globais e derrotar a pobreza nas favelas”, disse Lyra.

A primeira ação dessa startup ocorreu no dia 10 de setembro. Na ocasião, cerca de 70 convidados participaram de um jantar para arrecadação de recursos. A maioria dos presentes era de investidores brasileiros que vivem no exterior. O evento aconteceu em uma instituição financeira global e teve os empresário Jorge Paulo Lemann e os ex-executivos da AB InBev Claudio Ferro e Carlos Brito como anfitriões. O total arrecadado deste primeiro encontro foi de R$ 3 milhões.

No jantar, Lyra apresentou os projetos do Gerando Falcões, com foco na iniciativa batizada de Favela 3D: Digna, Digital e Desenvolvida. Em linhas gerais, trata-se de um projeto de urbanização – com ramificações em áreas como saúde, cultura, educação, segurança e renda. O piloto do projeto já está em implementação na favela Marte, em São José do Rio Preto (interior de São Paulo); Morro da Providência, no Rio de Janeiro; Favela Vergel do Lago (Maceió) e Boca do Sapo, em Ferraz de Vasconcelos, na Grande São Paulo.

No final de outubro, outro jantar vai ocorrer em Miami, com o mesmo modelo e a intenção de sensibilizar mais empresários e investidores brasileiros que vivem nos Estados Unidos. “Essa é uma cruzada global, um roadshow para mobilizar recursos de enfrentamento da pobreza. Antes do Elon Musk (fundador da SpaceX) conquistar Marte, nós vamos solucionar o problema da miséria nas favelas do Brasil. A pobreza vai virar peça de museu”, disse Lyra.

Embora já tenha visitado NY antes, é a primeira vez que Lyra tem a oportunidade de morar na cidade. Ele ganhou uma bolsa para cursar inglês na Kaplan (escola de idiomas). “A pobreza requer uma ação global, precisamos de líderes que dialoguem com o mundo. Até os 30 anos, eu tinha desculpa para não falar inglês. Agora, tenho de fazer isso, tenho de aprender”, afirmou Lyra.

Em NY, Lyra já morou no Harlem (bairro histórico de Nova York, conhecido pela efervescência cultural afro-americana) e no Upper West Side, um distrito de Manhattan. A estada de Lyra na cidade é uma doação (hospedagem e alimentação) do empresário Carlos Brito.

Para Lyra, Nova York tem sido uma janela para o mundo, uma escola a céu aberto. “O mundo está aqui. A dinâmica da cidade me chama muito a atenção. Tem muito conhecimento para ser aprendido em Nova York”, falou. Nas horas livres (que são poucas), Lyra explora a cidade. Entre seus locais preferidos estão o The High Line (um parque suspenso construído em uma linha férrea desativada em plena Nova York) e o MoMA (Museu de Arte Moderna). Lyra fica na cidade americana até meados de dezembro.

História

Lyra nasceu na favela Jardim Vila Nova Cumbica, periferia de Guarulhos. Quando era criança, a mãe, Maria Gorete Brito Lyra, sustentava a família como diarista.

Apoiado na força da mãe, Lyra começou a desmontar a bomba-relógio que o destino havia armado para ele quando não desistiu dos estudos. Ele cursou a faculdade de jornalismo, mas não chegou a se formar. No meio do caminho, escreveu o livro Os Jovens Falcões (com relatos de jovens empreendedores). “Sem patrocínio, fiz o livro e comecei a vendê-lo, engajando outros 30 jovens na venda de porta em porta. Vendi 5 mil livros por R$ 9,90 – e me descobri um empreendedor, com capacidade de montar times e criar ambição nesses times”, falou ele, considerado Repórter Revelação pelo Instituto Itaú Cultural.

Com o dinheiro arrecadado com o livro Jovens Falcões, Lyra fundou a ONG Gerando Falcões, que completa 10 anos de atividade. Um contato com o empresário Jorge Paulo Lemann, que até hoje é apoiador do projeto, possibilitou a Lyra ir para Harvard para fazer um curso de 15 dias sobre liderança.

A Gerando Falcões transformou-se em uma organização social que atua dentro de uma estratégia de redes, com projetos focados em esporte, cultura, qualificação profissional para moradores de periferias e favelas.

O modelo de gestão da ONG e dos projetos criados e incentivados por ela é inspirado nos mecanismos de administração de empresas como a Ambev, com metas, indicadores de performance, rituais de gestão, plano de carreira e gratificação para os colaboradores.

A partir daí, a vida de Lyra ganhou outro rumo e o seu projeto, reconhecimento internacional. Ao longo dos últimos anos, ele foi selecionado pelo Fórum Econômico Mundial como um dos jovens brasileiros que podem mudar o mundo (transformando-se em um dos membros do Global Shapers); chegou a ser eleito empreendedor do ano pelo Lide (grupo de líderes empresariais de diversos setores) e deu palestras em empresas do tamanho do Google, da Ambev e outras.

Hoje, Lyra é casado, pai de duas crianças (Lara, de 12 anos, e Luiz, de 2). Sua mãe continua sendo a base da sua vida. Durante a pandemia, criou a ação #Covid no Paredão. Com ela, já arrecadou mais de R$ 52 milhões, beneficiando cerca de 800 mil pessoas em mais de mil favelas brasileiras.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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