Fernando Cury pode ser enquadrado por importunação sexual, dizem especialistas
Quando a deputada estadual Isa Penna (PSOL) conversou com o blog, em março, logo após o Conselho de Ética da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) sugerir uma punição atenuada ao deputado Fernando Cury (Cidadania) pela importunação sexual contra ela, a parlamentar classificou a decisão como “inaceitável”.
Na ocasião, o colegiado aprovou a proposta de suspensão do mandato por 119 dias – e não seis meses, como sugeriu o relator do caso, Emidio de Souza (PT). Na prática, o resultado permitia que a estrutura do gabinete de Cury continuasse funcionando apesar do afastamento. Isso porque, quando a suspensão é decretada por menos de quatro meses, não há necessidade de convocação do suplente.
Levada ao plenário, a proposta caiu por unanimidade. Na última quinta-feira, 1º, os 86 deputados presentes na sessão votaram para aumentar de 119 para 180 dias o prazo de suspensão. Com a reviravolta, Isa mudou o tom e comemorou a decisão que, em sua visão, “abre precedente inédito no Brasil”.
“A vitória de ontem é, em primeiro lugar, um marco para as mulheres como um todo, que em seus ambientes de trabalho vão poder usar esse caso como precedente”, disse em entrevista ao Estadão.
Por meio de nota, o deputado Fernando Cury disse que recebeu “com serenidade e de forma respeitosa a decisão do plenário da Assembleia Legislativa de São Paulo, determinada pelos colegas deputados”. Em depoimento ao Conselho de Ética, Cury chegou a pedir desculpas à colega de parlamento “por qualquer tipo de constrangimento e por qualquer tipo de ofensa” que ele tenha causado. De acordo com o deputado, o abraço foi “um gesto de gentileza” por interromper a conversa dela com o presidente da Casa, Cauê Macris (PSDB).
Advogados ouvidos pelo blog se dividiram entre os mais otimistas, que endossaram a posição da deputada e avaliaram como correta a punição, e entre os que esperavam uma resposta ainda mais dura, como a cassação definitiva do mandato.
Para a advogada Vânia Wongtschowski, sócia do WZ Advogados, que lidera o projeto pro bono WZ Social voltado à assistência de mulheres vulneráveis vitimadas pela violência, a punição foi “muito branda perto do absurdo da conduta” dele.
“É verdade que a punição – por menor que seja – somente foi obtida graças à importante mobilização da sociedade civil e da campanha que angariou mais de 42 mil assinaturas. Porém, a perda do mandato por seis meses deixa um gosto amargo na boca, pois a punição que ele merecia era a cassação”, opina. “As mulheres não querem prêmio de consolação. Querem que a sociedade como um todo se sensibilize e dê a punição correta para esse tipo de agressão”, acrescenta.
Já a advogada criminalista Mayra Maloffre Ribeiro Carrillo, sócia do Damiani Sociedade de Advogados, avalia que a decisão é um importante avanço em uma sociedade ainda machista. “Os deputados decidiram com acerto e proporcionalidade frente à conduta indecorosa, machista e violadora da liberdade sexual. Além da referida sanção, o deputado Fernando Cury ainda poderá ser processado e condenado pelo crime de importunação sexual previsto no artigo 215-A do Código Penal”, afirma.
O advogado criminalista e constitucionalista Adib Abdouni considera “exemplar e alvissareira” a suspensão pela Assembleia Legislativa de São Paulo. Para o especialista, a segunda etapa para a responsabilização do deputado deve seguir na Justiça.
“É necessário dar prosseguimento à persecução penal inaugurada contra o deputado, no âmbito da competência originária criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, em razão dos fatos que, em tese, constituem crime contra a liberdade sexual da deputada estadual, posto que a legislação penal brasileira dispõe dos mecanismos hábeis a sancionar aqueles que ultrapassem a barreira da mera inconveniência e avancem o sinal mediante o cometimento de ilícitos penais, especialmente contra a dignidade sexual alheia”, explica.
A advogada Marina Veras, coordenadora do WZ Social, do WZ Advogados, lembra a importância da decisão em razão do cargo ocupado pela deputada Isa Penna. “Em um país em que a participação das mulheres na política ainda é muito baixa perto do tamanho do eleitorado feminino, é essencial que haja punições a condutas como a do deputado, para que se fortaleça ainda mais a ideia de que a mulher pode – e deve – ocupar todos os espaços políticos sem ter medo de ser importunada”, diz.
Para Renato de Mello Almada, especialista em Direito Civil e sócio de Chiarottino e Nicoletti Advogados, a Alesp “deu uma demonstração de maturidade, sensibilidade e, acima de tudo, de justiça, que deve servir de exemplo a todos”.