Festival londrino cria uma ‘arte doméstica’ com objetos comuns

08/10/2022 08:02
Por Marcelo Gomes Lima, especial para o Estadão / Estadão

Dirigido a 14 de seus amigos, o convite do designer italiano Martino Gamper contemplava uma única regra: criar um suporte para plantas a partir de sobras de materiais coletados nos seus estúdios. Uma vez recebida, cada peça era então posicionada por Gamber em duas salas, dando origem a uma mostra que ele denominou No Ordinary Home (“Casa Incomum”). Um projeto despretensioso, mas que acabou por se converter numa das principais atrações do 20.º London Design Festival.

Não que os participantes da experiência não se conhecessem bem ou não estivessem familiarizados com a vida e o trabalho de cada um. Mas foi talvez essa sensação de intimidade que gerou tamanha identificação do público com objetos tão distintos, reunidos em poucos metros quadrados. O mesmo acontecendo com Two Kettles, No Sofa (Duas Chaleiras, Sem Sofá), outra proposta sem maiores pretensões, na qual o designer James Shaw e o escritor Lou Stoppard exploram as agruras de um casal negociando gostos conflitantes quando decidem morar juntos.

“Nós criamos o London Design Festival, ou LDF, para ser um evento de domínio público. Diferentemente de outros, não visamos apenas ajudar os designers a mostrar seus trabalhos e gerar negócios. Oferecer a possibilidade de compreensão e apreciação por uma audiência tão ampla quanto possível”, afirma Sir John Sorrel, ao lado de Sir Ben Evans, um dos fundadores do festival londrino. “Nessas duas décadas, tivemos um incrível poder de penetração e um enorme sucesso em destilar novas ideias”, diz ele.

De fato, fiel à proposta original de Sorrel – “Este festival não ficará confinado a centros de convenções, mas se espalhará pelas ruas e tomará conta da cidade” -, o LDF tem se notabilizado, ao longo dos anos, por colocar espaços públicos e privados na órbita dos designers. “Eu queria injetar um pouco de cor e diversão a este ambiente tão urbano”, explica a holandesa Sabine Marcelis, autora de Swivel (Girar): um misto de sala de visitas e playground, com poltronas giratórias de pedra, instalado em plena St. Giles Square.

VOO LIVRE

Por se tratar de uma instalação interativa, adverte a designer, cabe ao público decidir como desfrutar do espaço. “Ela pode encorajar estranhos a interagir uns com os outros, permitir que amigos se reúnam, ou apenas sugerir que as pessoas concedam um momento de pausa para si mesmas”, considera Sabine, que concebeu dez assentos únicos para o projeto. Cada um deles a partir de uma combinação contrastante de pedras – travertinos, quartzitos e mármores -, selecionados a partir de amostras oriundas da Europa, Oriente Médio e até do Brasil.

Em seus nove dias, de 17 a 25 de setembro, o festival deste ano reuniu mais de 300 eventos – de lançamentos de novos produtos a mostras temáticas. De experiências imersivas a encontros espalhados por 12 distritos da cidade. Além deles, duas feiras integraram a programação: a Design London, em novo pavilhão expositivo construído às margens do rio Tâmisa, e a estreante Material Matters (Questões Materiais), que reuniu mais de 40 marcas para assinalar o significado que os diferentes materiais têm hoje em nossas vidas.

Apresentando de designers emergentes a lançamentos de marcas consagradas, o mais antigo dos circuitos londrinos do design, o Brompton, foi também o que reuniu o maior número de atrações, tendo como eixo central das discussões o tema “Sinta-se em Casa” – referência direta à importância que o lar adquiriu nos tempos turbulentos em que vivemos, marcados pelo pós-pandemia e pela ameaça de guerra, em que o design pode vir a desempenhar um papel mais importante.

NO CROMWELL PLACE

Ponto de parada obrigatório durante a semana de design londrina, o Cromwell Place, novo espaço expositivo da região, hospedou quatro mostras imperdíveis, incluindo No Ordinary Home e Two Kettles, No Sofa. Além delas, o espaço abrigou uma das mais impactantes instalações da temporada: a Into Sight (À Vista). Uma proposta imersiva na qual a Sony Design convidava os visitantes a interagir com superfícies sensoriais capazes de oferecer, à menor aproximação, combinações explosivas de luz, cor e som.

Dois museus da região, o tradicional Victoria & Albert e o Design Museum disputaram também a atenção dos visitantes. O primeiro, com suas mostras e instalações ligadas à ideia de transformação. Seja das moléculas em novos materiais, a regeneração do planeta ou a simples renovação criativa da casa.

Como no caso de For Repair (Para Reparo), projeto no qual objetos domésticos quebrados foram trocados entre designers de Cingapura e do Reino Unido não apenas para serem reparados. Mas para serem criativamente renovados.

E finalmente, o Design Museum, que abrigou Parables for Happiness (Parábolas para a Felicidade), a primeira exposição que analisa em profundidade o trabalho do artista e designer nigeriano Yinka Ilori, que vive e trabalha em Londres. Reunindo mais de 100 itens, entre obras de arte, tecidos, móveis e objetos pessoais, ele formou um conjunto que, visto em perspectiva, oferece um vislumbre sem precedentes do poder do design para absorver influências culturais. Assim como demonstra o alcance e a vitalidade do design produzido hoje na capital britânica.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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