Filme recupera a luta feminista pós-ditadura

02/05/2022 08:06
Por Luiz Zanin Oricchio, especial para o Estadão / Estadão

O movimento que impulsionou a criação do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, em 1985, soava tão barulhento aos ouvidos machistas no Congresso que foi apelidado de “lobby do batom”. As mulheres, lideradas pela atriz luso-brasileira Ruth Escobar, incorporaram a expressão. Esse também é o título do documentário de Gabriela Gastal, com roteiro de Christiana Albuquerque e produção de Renata Fraga, disponível na Globoplay.

O filme narra, com detalhes, a luta de um grupo de mulheres que conduziram um dos mais bem-sucedidos movimentos pelos direitos femininos no País. Além de Ruth Escobar, integravam o grupo a deputada Benedita da Silva, a socióloga Jacqueline Pitanguy, as advogadas Anna Maria Rattes, Comba Marques Porto e Leila Linhares Barsted, a economista Hildete Pereira de Melo, a escritora Marina Colasanti e a pedagoga Schuma Schumaher.

O grupo se forma e atua num momento muito particular da história brasileira. Depois de 21 anos de ditadura, o País voltava à democracia e preparava-se para elaborar uma nova Constituição. Era um período efervescente, de ampla discussão, com diversos grupos sociais discutindo intensamente suas reivindicações para que a nova Carta Magna fosse de fato expressão daquele momento de superação.

Nessa luta parlamentar, as mulheres conseguiram boa parte de suas reivindicações. Por exemplo, o artigo 5.º da nova Carta prevê direitos e deveres iguais para homens e mulheres. Ao longo do filme, elas lembram que, pela legislação de 1916, a mulher se subordinava ao marido quando se casava. Ele era o “chefe da família” e tinha poder de decisão, inclusive sobre os bens herdados pela esposa.

Desde então a sociedade evoluiu. Mesmo sob ditadura, o Brasil não se isolava do mundo e da mudança de ares trazida pelos libertários anos 1960 e 1970. No entanto, persistia por aqui o ranço de um patriarcalismo ancestral. Pode-se dizer que, ainda acobertado, persiste até hoje. A deputada Benedita da Silva lembra um pequeno “sintoma” desse mundo centrado nos homens – “Não havia sequer um banheiro para mulheres na Câmara”, diz. Não havia porque supunha-se que aquele era um hábitat exclusivo dos homens que comandam o mundo, e não incluía mulheres.

O documentário de enxutos 60 minutos é bastante simples. Traz material de arquivo e entrevistas recentes das mulheres envolvidas nessa luta histórica – menos de Ruth Escobar, falecida em 2017. Justo ela, definida pelas companheiras como a mais aguerrida, um verdadeiro “trator” na defesa das ideias do grupo. Apesar de simples, esse formato é eficaz, graças à vivacidade dos depoimentos e à maneira como eles são encadeados pela montagem do documentário. O filme dá ideia perfeita da trajetória e das dificuldades dessa luta.

Elas lembram que a criação do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM), uma espécie de Ministério da Mulher, era uma promessa de Tancredo Neves na transição do regime militar para a democracia. Com a morte de Tancredo, assumiu José Sarney como primeiro presidente civil pós-ditadura. Elas foram cobrar do novo presidente. Lembraram da promessa de Tancredo e ameaçaram: “Se o senhor não criar o CNDM, nós vamos acampar na porta do Palácio do Planalto e o senhor não terá mais sossego”. Assim, o CNDM ganhou existência legal e orçamento.

O Lobby do Batom sabia que pressão e união são pré-requisitos da ação política, junto com a sabedoria e a percepção do momento justo para agir. Com disposição e inteligência, realizaram conquistas importantes. Conquistas que, como outras, encontram-se sob ameaça no quadro atual de retrocesso.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Últimas