Fora da zona de conforto

28/07/2021 09:00
Por Bruno Cavalcanti, especial para o Estadão / Estadão

Diretor, ator e autor celebrado como um dos principais nomes do teatro contemporâneo, Eric Lenate buscava sair de sua zona de conforto que, em sua concepção, lhe foi entregue como uma “herança estrutural”, quando surgiu o convite para orquestrar uma oficina dentro do projeto de Oficinas de Montagem do Inbox Cultural, espaço voltado a cursos e produções independentes que tem entre seus professores nomes como Cacá Carvalho, Nelson Baskerville, Camila Raffanti e Fernanda Rocha, além do próprio Lenate.

Nasceu, então, Cemitério Vertical – Poéticas de Resistência à Necropolítica laboratório de montagem de solos no qual o diretor abriu espaço para que jovens atores criadores pusessem em cena obras que girassem em torno da temática principal, a necropolítica a partir das obras do teórico político e historiador camaronês Achille Mbembe e do teórico social e filósofo francês Michel Foucault (1926-1984).

“Ficamos atentos a pessoas que procuraram nossa proposta justamente pela curiosidade sobre o tema em questão – no caso de pessoas que ainda não tinham contato com a obra do professor Mbembe. E também atentos a pessoas que nos procuraram especificamente por se tratar de um trabalho em que as discussões partiriam desta obra”, explica.

Foram então selecionados 12 artistas criadores (sete atrizes e cinco atores) para um mergulho ao longo de três meses no estudo da necropolítica e dos retrocessos sociais e em pautas progressistas ao longo da última década.

“Sempre tive um prazer muito grande no caminho pelo autodidatismo, mas descobri um prazer muito maior em aprender junto a outras pessoas. Enquanto transmito o que pude acumular de saber e experiência para pessoas que são menos experientes em termos de tempo de palco, me percebo sempre revendo tudo o que aprendi e percebo também como fórmulas prontas nunca serão a pedra filosofal dentro do teatro”, conceitua o encenador.

“Cada pessoa é uma pessoa. Cada corpo é um corpo. Cada voz é uma voz. A tarefa de me dedicar a estimular e a investigar as potencialidades de criação de uma pessoa me é extremamente prazerosa.”

Formado por Diego Lima, Juliana Poggi, Lorena Garrido, Luís Paulon, Maria Amélia Lonardoni, Maria Eduarda Pecego, Michelle Braz, Paloma Alecrim, Paulo Castello, Rebecca Loise, Renato Izepp e Vinícius Aguiar, o grupo criou uma série de narrativas que vão desde a vida de uma mulher que vai perdendo sua memória, percepção e sanidade na medida em que seu companheiro se aproveita do isolamento social da pandemia para enclausurá-la com abusos psicológicos, até a bala perdida que sempre encontra um corpo negro.

“Procuramos ao máximo deixar o processo individual de cada pessoa andar de acordo com as necessidades e com o tempo de criação. Se não olharmos para cada pessoa que está conosco como um ser único, o perigo de não conseguirmos enxergar cada uma dessas pessoas plenamente é grande. Dá bastante trabalho e é necessária muita paciência para se trabalhar desaa forma, porque por vezes é necessário esperar, como esperamos o florescer de um botão de rosa. Mas o prazer de assistir a florescimentos e mais florescimentos é indescritível.”

Intitulado Cemitério Vertical, o projeto estreou no último sábado, 24, para curtíssima temporada até o dia 1.º de agosto, com transmissão via streaming e ingressos a preços populares. Embora seja produzido por um grupo de atores, o espetáculo não é necessariamente uma obra de grupo, ainda que, com o isolamento social, as interações de atores e atrizes em grupos de curta duração tenham se tornado mais constantes.

Artistas como Ana Elisa Mattos, Erica Montanheiro e Marcelo Varzea já encabeçaram propostas parecidas, enquanto companhias ao redor do Brasil vêm buscando cada vez mais possibilidades de contribuir com artistas de outros Estados, linguagens e histórias. Embora descrente que a pandemia insufle a produção desses novos grupos, Lenate atenta para a proximidade que a distância permitiu a esses artistas.

“Não tenho certeza se a pandemia pode impulsionar novamente esse formato de trabalho. Espero que sim e com experimentações cada vez mais ousadas e surpreendentes. A pandemia nos separou e nos isolou, mas produziu outras formas de aproximação. Como nossa proposta nasceu com essa característica de reservar um momento solo para cada um dos participantes do grupo, resolvemos assumir isso como proposta escolhida e desenhamos a encenação a partir dessas características que foram se configurando para nós.”

Transmitido através do site oficial do Inbox Cultural, o espetáculo tem ingressos de R$ 10 a R$ 50, com sessões aos sábados e domingos, sempre às 20h.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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