Futuro dos direitos sobre a obra de Borges ainda é incerto

07/04/2023 08:07
Por Associated Press / Estadão

Os direitos sobre as obras do falecido Jorge Luis Borges, considerado o autor argentino de maior relevância internacional do século 20, caíram no limbo porque sua viúva morreu no mês passado sem deixar testamento. A revelação surpreendeu os círculos literários do país, porque a mulher de Borges, Maria Kodama, dedicou grande parte de sua vida a proteger ferozmente seu legado. Ela montou uma fundação com o nome do escritor, mas não detalhou os planos do que deveria acontecer depois que ela morresse, mesmo lutando contra um câncer de mama.

“Se realmente não há um testamento, é surpreendente”, disse Santiago Llach, escritor especialista na obra de Borges. Para ele, o anúncio do advogado de Kodama, Fernando Soto, de que não havia testamento “gerou burburinho nas redes sociais”.

Borges morreu em 1986 aos 86 anos e deixou Kodama, uma tradutora e escritora com quem se casou no início daquele ano, como sua única herdeira. Eles nunca tiveram filhos. Kodama morreu em 26 de março, também com 86 anos.

Um dia depois de Soto fazer seu anúncio, cinco sobrinhos de Kodama foram ao tribunal na terça, 4, para se declararem seus herdeiros, buscando obter a propriedade de todas as suas posses, incluindo os direitos das obras de Borges e o que se acredita serem vários manuscritos valiosos.

Soto disse desconhecer que Kodama não havia providenciado a redação de um testamento. “Ela não gostava de falar sobre essas questões, não falava sobre sua morte.” Ele contou ainda que certa vez perguntou a Kodama sobre o que aconteceria com os direitos de Borges após sua morte e “ela falou que tinha tudo arranjado e que seria ‘alguém mais rigoroso do que eu'”.

Ele lembrou que Kodama disse que chamaria universidades do Japão e dos EUA para “cuidar das obras”, mas não citou quais escolas ela tinha em mente. Ela costumava dar palestras na Universidade Harvard e na do Texas.

Kodamas levava uma vida distante da família. “Ela sempre negou a existência de familiares”, revelou Llach. “Tenho amigos escritores que conheciam seus sobrinhos e perguntaram sobre eles e ela negou a existência deles. Foi bem marcante.”

Soto declarou ter ficado “surpreso ao descobrir que ela tinha sobrinhos”. “Foi um alívio porque não queria que o Estado ficasse com tudo.” Segundo a lei argentina, se não houver testamento nem herdeiros naturais, o patrimônio de uma pessoa é assumido pelo Estado. Alguns levantaram a possibilidade de que um testamento de Kodama possa ser encontrado assim que um inventário de seus bens for realizado, mas Soto acha isso “absolutamente impossível”.

Descuido

“Ela nunca teria feito isso, jamais teria escrito um testamento por conta própria”, garantiu Llach para quem, se de fato não há testamento, a questão é se “foi apenas um simples descuido, um gesto punk de ‘eu não dou a mínima para tudo isso’, ou talvez também uma forma de ressaltar a falta de relacionamento com seus sobrinhos e família”.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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