‘General de Doria’ afirma que Exército não apoia aventuras
Os políticos o conhecem como “o general do Doria”. João Camilo Pires de Campos não gosta do rótulo. Ele procura dissociar a atuação na Secretaria de Segurança Pública de São Paulo do atual momento político pelo qual passam o País e o Exército, onde trabalhou por 48 anos, três meses e dois dias. A farda cedeu espaço ao terno e gravata e o quartel, ao prédio da antiga Rede Ferroviária Federal, no centro da capital paulista, hoje sede da Secretaria da Segurança Pública do Estado. É ali que o homem que esteve por duas vezes à frente do Comando Militar do Sudeste (CMSE) trabalha desde janeiro de 2019.
Anunciado logo após a eleição de 2018 pelo governador João Doria (PSDB) para chefiar a pasta, o secretário faz uma gestão marcada pela queda dos principais índices de criminalidade no Estado – roubos, homicídios e furtos, em comparação com os dados de 2018 – e pela adoção de câmeras corporais para gravar ininterruptamente o trabalho dos policiais militares, derrubando índices de letalidade policial a zero em 18 batalhões, entre eles o 1.º Batalhão de Choque, as Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota).
Durante a pandemia, conta o general, a secretaria perdeu 196 homens para a covid-19. Ele mesmo teve a doença de forma assintomática em 2020 e, neste ano, vacinou-se – já tomou as duas doses. “Tenho 67 anos.”
Seu novo trabalho não o afastou dos colegas de Exército, que o procuram para saber informações sobre Doria. O general mantém distância das redes sociais. Não tem conta no Twitter e, mesmo o WhatsApp, com grupos como o da Turma de 1976 da Academia Militar da Agulhas Negras (Aman), é consultado poucas vezes ao dia.
Campos não fica alheio às ameaças contra as eleições fomentadas por declarações do presidente Jair Bolsonaro contrárias às urnas eletrônicas. Sobre o clima de golpe que ronda o País, ele diz ter certeza de que o Exército não vai embarcar em nenhuma aventura. “Não vai. Não vai. É o Exército profissional que todos conhecemos e todos admiramos.”
Campos citou nomes de generais do atual Alto Comando do Exército (ACE), seus amigos e antigos subordinados, comprometidos com os princípios de neutralidade, isenção e apartidarismo do Exército. “Como instrutor, nosso objetivo é fazer de nossos alunos profissionais melhores do que nós. E os que me substituíram lá são melhores do que eu.”
Era 1969, quando ele, o filho mais novo do dono de um cartório de Monte Mor, cidade da região de Campinas, no interior paulista, foi inscrito com outros três colegas de sala de aula por um professor no exame da Escola Preparatória de Cadetes do Exército. Todos passaram. E lá foi ele fazer o que o pai julgava ser um “bom científico”.
Começava ali uma carreira na Arma da Artilharia que o levaria a rodar pelo Brasil com a mulher e os dois filhos, a mudar 44 vezes de casa e a ser instrutor na Academia de Guerra da Força Terrestre do Equador por dois anos antes de voltar, após 43 anos, a São Paulo, para comandar a 2.ª Região Militar. “Para a família, foi puxado.”
Ao aceitar o convite para assumir a Segurança Pública, o general alugou um apartamento na Vila Mariana – a família permanece no interior. Quando seu nome foi anunciado, para a Segurança Pública parecia se tratar de mais uma solução improvisada para pacificar uma área na qual o recém-eleito Doria enfrentava resistências.
O general havia participado da campanha presidencial de Geraldo Alckmin (PSDB), e o candidato tucano derrotado por Bolsonaro acusava Doria, seu antigo pupilo, de traição. Ao mesmo tempo, o governador tinha enfrentado concorrentes ao governo do Estado que traziam coronéis da PM como vices e tinha de lidar com os descontentamentos das polícias com as seguidas administrações na Segurança entregues a promotores de Justiça.
As polícias queriam seguir o caminho do Rio, onde o governador Wilson Witzel dividiu a secretaria e deu a cada polícia um lugar em seu secretariado. Doria resistiu. Foi aí que surgiu o nome do general. Era para ser um arranjo de poder no contexto da volta dos militares à política nacional. Quando chegou à secretaria, Campos não conhecia as pessoas ou a cena criminal paulista. Nomeou dois executivos: o coronel Álvaro Camillo e o delegado Youssef Abou Chahin. Sua figura, no entanto, ajudou a controlar o avanço do bolsonarismo na polícia.
De acordo com um coronel ouvido pela reportagem, a presença do general na secretaria ajudou a conter a corrosão que o bolsonarismo provocou em outras polícias estaduais. Outro coronel da PM que acompanhou a infiltração da política partidária na tropa comparou Campos ao policial que faz toda a carreira no Corpo de Bombeiros e, ao chegar ao topo da carreira, tem de comandar o policiamento de área. Campos, segundo ele, aprendeu as diferenças entre o Exército e a polícia.
O general se tornou avalista da maior mudança até agora observada na área: o programa que instalou 3 mil câmeras individuais em PMs. Lideranças bolsonaristas atacaram a medida. No dia 14 de julho, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) escreveu: “Câmeras ligadas 100% do período que o PM estiver trabalhando vai desestimulá-lo. Não vai tardar e a sociedade sentirá os efeitos”.
Sem volta
Campos disse ao Estadão que o programa de câmeras “não tem volta”. E anunciou que as atuais 3 mil devem chegar a 10 mil no fim do governo, em 2022. Mas o filho do presidente não ataca o general. Quando reclama da Segurança Pública paulista, sempre aponta o dedo para Doria. Por trás do discurso bolsonarista de que “a polícia precisa trabalhar” estaria o descontrole da letalidade policial sob a justificativa de que os bandidos podem atirar à vontade nos policiais.
Ainda no Exército, o general teve experiência da ação em operações da Garantia da Lei e Ordem quando um de seus subordinados – um cabo – foi assassinado em um confronto com bandidos no Complexo da Maré, no Rio. Para o sociólogo Renato Sérgio de Lima, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Campos trouxe para a Segurança a ideia de controle na ponta da linha, que existe no Exército. Para Lima, esse seria o caso das câmeras da PM. “Elas devem mudar a cultura policial. Aumentam a fiscalização e reduzem a discricionariedade no cumprimento da lei.”
Segundo Lima, o general pacificou uma área conturbada, mas foi ajudado pelo contexto. “Ele é afável e conversa mesmo com quem discorda.” E assim Campos viu movimentos, como o motim promovido por bolsonaristas no Ceará, passarem longe de São Paulo. E também ações, como a que ocorreu em Pernambuco, com a repressão indiscriminada a uma manifestação da oposição pedindo o impeachment de Bolsonaro.
Trata-se de ameaça real. Em pelo menos duas oportunidades policiais paulistas foram flagrados defendendo o uso da violência contra opositores do presidente nas ruas. “Estive duas vezes com o secretário e fui bem tratado, mas as polícias estão sem comando. As decisões parecem ser tomadas à revelia dele. Não levam muito a sério o que ele pede. A segurança pública está ao Deus-dará”, disse o deputado Ênio Tatto (PT). Tatto, no entanto, avalia que a “repressão nas manifestações não seja culpa dele (Campos)”.
A pouco menos de um ano e meio da eleição, o general deixa em aberto se sairá candidato em 2022. Dois de seus colegas de turma se elegeram deputados federais em 2018 – os generais Roberto Peternelli (PSL-SP) e Eliéser Girão (PSL-RN). “Hoje digo que não pretendo. Mas tem duas coisas que não se deve dizer: nunca e sempre.”
Em 2018, Peternelli o convidou para sair candidato. “Insisti, mas ele não quis. Ele é eficiente e ponderado. Tem conduzido com firmeza a Segurança Pública. O resultado é a queda dos índices de criminalidade.” Também entre tucanos já há quem cogite a passagem do general da secretaria para a política partidária. Marco Vinholi, presidente do PSDB paulista, deixa claro que o partido vai apoiá-lo caso ele queira entrar na corrida eleitoral: “Ele é um general com o perfil do Doria”. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.