Gente humilde

24/09/2017 08:00

A boa música rejuvenesce, une, apascenta a alma, refrigera o viver. Certifiquei-me disso nas duas últimas semanas em que tive a oportunidade de presenciar o encontro de velhos amigos que preservam a juventude, conservando a amizade em torno das canções de boa qualidade.

No sábado (09/09), quando separava alguns textos para fazer uma prova, recebi o telefonema de um amigo que me convidou para participar de um encontro de chorinho que iria acontecer na casa dele. Parei o que fazia e fui. Cheguei lá ao final da tarde. O Sol já coloria seus raios entre as nuvens para se despedir do dia, quando as notas começaram a ser dedilhadas no cavaquinho. Uma nostalgia logo pairou nas lembranças de um passado que ainda está vivo na memória.

Foram de Waldir Azevedo, as primeiras canções, depois Pixinguinha, Cartola, Nelson Cavaquinho, Noel Rosa, Ataulfo Alves, Herivelto Martins, Lupicínio Rodrigues, Luís Vieira, em síntese, a poesia também esteve presente nas letras que traduzem o sentimento humano, da paixão à desilusão dos amores não correspondidos. Canções estas que estão gravadas em minha alma pela voz da minha mãe, que sempre, durante seus afazeres domésticos, cantava.

 Eu, menino, entretido nas brincadeiras, não tinha a menor noção de que as letras daquelas músicas ficariam gravadas em minha memória: Elizete Cardoso, Ângela Maria, Dalva de Oliveira, Carmem Costa; passei a conhecer a voz dessas cantoras por influência dela. 

 Quando cantávamos “Ave Maria no Morro”, olhei para o relógio, era exatamente seis horas da tarde. Embarquei no coro: “Ave Maria” – era uma prece. O Sol já repousava no crepúsculo. 

A minha empolgação foi tanta que me atrevi a pegar o pandeiro, contando baixinho um, dois, três; um, dois, três, para acompanhar o compasso das falsas. 

Vendo a minha empolgação, o citado amigo, durante a semana, fez-me outro convite para ir à casa de um amigo dele de longas datas. Não recusei. No sábado, dia 16/09, novamente no final da tarde, fui à casa desse amigo dele. Chegando lá, tive uma grata surpresa: o animado senhor de 90 anos é pai de uma professora, colega de trabalho. Ele conheceu o pai e o avô da minha esposa. 

A vitalidade dele me impressionou, cantava com uma voz firme, dançava com desenvoltura, animava a todos, além de ler as letras das músicas sem óculos. 

Estava reunido ali um grupo de seresteiros que cantaram juntos por muitos anos. E, no citado sábado, relembravam os bons tempos. Diante daquele encontro, ficou fácil ver que a música propicia também um ato de comunhão.

 Nesse dia, ouvi uma música de Chiquinha Gonzaga, em um momento de rara beleza. Vi que o tempo não apaga o que a alma do povo acolhe: “Lua Branca”, para mim, é um clássico. Que me desculpem as “sofrências” de agora, prefiro as canções de outrora: ouçam “Flor Amorosa” do maranhense Catulo da Paixão Cearense, sob o luar do sertão. As estrelas ganham vida, vão buscar quem morava longe em “Sonho Meu”.

Os laços de amizades solidificados pela música, com certeza, são eternizados, porque a qualquer tempo, basta uma nota para lembrar-se de quem se ama. Por isso que, quando ouço essas canções de outrora, lembro-me da minha mãe que bem sabe deixar vazar as dores pela voz.

 E eu que creio, peço a Deus para que essa gente continue assim, alegre, que siga em frente, “mesmo não tendo com quem contar”. A violência já não permite ter cadeiras na calçada. E, pela harmonia vivida em família, essa gente, por discrição, não escreve na fachada da casa que é um lar.

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