Geólogo fala sobre mudanças climáticas no mundo e tragédias em Petrópolis

29/ago 16:34
Por Enzo Gabriel

As mudanças climáticas, a falta de ações e a demora no entendimento da urgência dos problemas do planeta afetam diretamente a vida de diversas pessoas com as tragédias que vêm ocorrendo em diferentes locais do Brasil e do mundo, incluindo Petrópolis. O geólogo Marco Moraes, autor do livro “Planeta Hostil”, e estudioso a respeito dos problemas da Terra, conversou com a equipe da Tribuna e falou sobre a sua visão referente a variados temas.

Livro “Planeta Hostil” foi lançado pelo geólogo.
Foto: Divulgação

“Eu acho que a consciência do que tem que ser feito já está bastante disseminada e acessível para as pessoas que se interessarem por isso, mas a gente não está fazendo o que precisa da maneira correta. Isso vale para o Brasil e para o mundo. Então, nem as autoridades, nem os cidadãos, nem a sociedade, de modo geral, estão fazendo o que é necessário para evitar que as coisas fiquem muito piores. Em parte, a gente sabe que há razões econômicas, há razões locais, que às vezes acontece uma tragédia, fica todo mundo muito atento, mas pouco tempo depois se torna um assunto local. Mesmo que haja consciência, a gente fala com as pessoas, as pessoas têm consciência do que está acontecendo. Mas se você vai olhar o que está sendo feito, não estamos fazendo o necessário. Estamos muito aquém do que deveríamos”, afirma Marco, a respeito da conscientização e das ações realizadas contra as mudanças detectadas.

O geólogo usou Porto Alegre como exemplo:

“Porto Alegre é um exemplo. Em 2023, houve três, pelo menos três eventos extremos lá. Inclusive com uma inundação muito severa. No Rio Grande do Sul, quando houve aquela inundação de 2023 na serra, o rio subiu em Porto Alegre, mas não ao ponto de inundar a cidade. Só que o aviso estava lá de forma muito clara, mas nada foi feito. O investimento foi zero. Isso ilustra a nossa inércia. Os avisos chegam, mas as pessoas não fazem nada a respeito. Os governantes e a sociedade como um todo, não estão se mobilizando para se proteger de algo que vai ficar pior. Com o aquecimento global, a atmosfera fica mais carregada de umidade, sendo 7% a mais de umidade para cada grau de aquecimento. Ou seja, as chuvas vão ficar mais intensas e também, porque a atmosfera está aquecendo, teremos mais ondas de calor, que muitas vezes não produzem o mesmo impacto pelo fato das vítimas não ocorrerem num dia só, sendo uma coisa menos dramática. Mas o calor, ao longo do tempo, prejudica muito a saúde das pessoas e já está causando um excesso de mortes. O Rio Grande do Sul teve ondas de calor e inundações em 2020. É um estado que está sofrendo particularmente com as mudanças por causa da posição geográfica. Mas o Brasil inteiro está sendo afundado”.

O estudioso também falou sobre a situação de Petrópolis:

“Petrópolis, como outras cidades serranas, tem dois problemas mais graves, que são os alagamentos, que tendem a ser mais repentinos e violentos, e os deslizamentos de terra. O que me parece é que precisamos fazer um cálculo, um plano de drenagem levando em consideração, não as chuvas de 2022, aqueles 250 milímetros, mas coisas muito mais intensas, porque é assim que a gente faz uma obra de prevenção. Você não joga ali com o mínimo necessário, você coloca uma margem muito maior. Os rios de Petrópolis, se você olhar os mapas originais lá do tempo do Major Koeler, vê que eles foram tornados muito mais retilíneos e muito mais estreitos. Além disso, a gente impermeabilizou a cidade com concreto e derrubou matas. Ou seja, a gente fez tudo para as inundações ficarem piores. Então, a gente precisa ter um plano para escoar essa água. Ou a gente aprofunda mais os rios, ou a gente alarga, ou a gente tem planos aí de construir piscinões, principalmente aqui na área da Coronel Veiga. Nada iniciado ainda, esperando uma verba federal, que a gente não sabe quando vem. Então, a gente precisa desse plano. E o outro problema muito sério aqui são os escorregamentos. O que eu vejo são obras de recuperação de áreas que foram atingidas. Então, espera-se haver o evento, e aí vai lá e faz uma concretagem, faz um negócio com muros de concretos gigantescos. Só que o escorregamento é um processo natural das serras. Quando há um escorregamento, geralmente o plano que fica ali é o plano de equilíbrio. Então ficam umas pedras soltas, pode haver uns escorregamentos secundários, mas o grande evento vai demorar a ocorrer no mesmo local por dezenas ou centenas de anos. Então onde é que vai ser o próximo grande escorregamento? Onde não houve um recentemente. Estamos preparados para isso? Eu não acho que estamos, não. Ou seja, a gente deveria botar barreiras de proteção, deveria botar sensores de movimento. Tem que verificar, evitar a infiltração de água. Às vezes você vê um morro, o pessoal corta lá em cima. Às vezes faz até uma quadra de futebol lá no topo do morro. Fica todo o topo do morro exposto pra água infiltrar. A água tem que escoar, e se houver um deslocamento de massa, tem que pensar pra onde que ela vai, proteger as casas, fazer caminhos pra essa massa de terra desviar das casas e tudo mais”.

Ainda sobre a Cidade Imperial, Marco ressaltou que prevê um próximo verão difícil para o município:

“O próximo verão é o verão do La Niña e os cientistas divergem quanto ao efeito do La Niña no sudeste. As minhas observações são de que as maiores tragédias de Petrópolis ocorrem em anos deste fenômeno, que deixa o sul mais seco, mas a área de chuva pode nos atingir. Então, no próximo verão, assim como eu tenho dito pro pessoal lá do Rio Grande do Sul que vai ser mais seco, mas que eles não podem baixar a guarda, porque o verão mais úmido vai voltar. Para nós, ele pode e tende a ser mais úmido, mais chuvoso, então a gente tem que estar preparado”.

Segundo o geólogo Marco Moraes, aquecimento global, efeito estufa, degelo das calotas polares, ondas de calor extremo, secas, morte dos oceanos e destruição dos ecossistemas são indicadores claros da degradação ambiental. Em Planeta Hostil, publicado pela Matrix Editora, o especialista em mudanças climáticas descreve como a humanidade tem transformado a Terra em um lugar inóspito e revela o que vem pela frente.

“A ideia do livro é dar uma visão abrangente dos processos de degradação ambiental do planeta. Então, eu falo sobre o aquecimento global, naturalmente, e seus vários efeitos. As mudanças climáticas são apenas um dos efeitos do aquecimento global.
Tem efeitos nos oceanos, nos diversos ecossistemas e na própria sobrevivência de muitas espécies. Existe uma crise hídrica global que está em parte relacionada com o aquecimento, mas também com o uso inadequado dos recursos, exaustão de solos, que tem a ver com erosão, desertificação, mas também com o uso inadequado e conservação inadequada de matas e solos, poluição química e plástica, e até mesmo o abuso de antibióticos. Então, a ideia é dar ao leitor a visão mais completa possível do que está acontecendo de grave no planeta para que ele fique mais embasado para tomar suas decisões e entender como ele pode ajudar para a gente mudar esse estado”.

A publicação pode ser encontrada em Petrópolis, na Livraria Nobel, no Centro, além de outras livrarias espalhadas pelo país. Na internet, está em diferentes lojas digitais – basta pesquisar o nome do livro e do autor.

“Desde que a gente publicou, eu tenho visto que, assim, não passa uma semana sem a gente ver na mídia algum assunto que é tratado no livro. Seja incêndios, seja chuvas intensas, e mesmo contaminação com mercúrio e outros tipos de acidentes. Então eu estou convencido de que é um bom guia para as pessoas saberem o que está acontecendo e aí cada um de nós tem um poder de influência, dependendo do que a gente faz, onde a gente trabalha, onde a gente atua. Todos nós podemos, a partir da compreensão dos problemas, definir a melhor maneira de atuar para se incorporar nesse esforço de salvar o planeta e a nós mesmos, que nós já estamos sendo muito prejudicados”, finaliza o autor.

Últimas