Gigantes da navegação desembolsam bilhões por portos no País para frear alta de custos

27/out 08:01
Por Elisa Calmon / Estadão

Com apenas um mês de intervalo, dois dos principais operadores portuários de contêineres no Brasil foram vendidos para armadoras internacionais. Após a compra da Santos Brasil pela francesa CMA CGM, anunciada no final de setembro, a Wilson Sons divulgou em 20 de outubro, que será adquirida pela suíça MSC. Além da tendência de verticalização do setor, a falta de capacidade portuária, que eleva os preços para as empresas de transporte marítimo no Brasil, estão por trás desta tendência, segundo especialistas.

A Wilson Sons informou na ocasião que seu acionista controlador, o OW Overseas (Investments) Limited, celebrou contrato com a SAS Shipping Agencies Services Sàrl, subsidiária da MSC, para venda de 56,47% do capital da companhia, por R$ 4,3 bilhões. No final do mês passado, a CMA CGM comprou a fatia de 48% da Opportunity na operadora portuária Santos Brasil por R$ 6,3 bilhões.

Os dois ativos estavam no mercado há algum tempo, com diferentes compradores sendo cotados. Julio Favarin, sócio fundador da Garín Partners, assessoria financeira especializada em Infraestrutura, atribui o fato das duas operações terem saído do papel a dois principais fatores. O primeiro deles é o preço dos fretes marítimos terem disparado na pandemia, o que gerou mais caixa para armadores e permitiu intensificar aquisições, com destaque para ativos de operação portuária.

Do ponto de vista local, o especialista destaca a pouca oferta de espaço portuário que, apesar de ser um problema global, tem se mostrado ainda mais crítico no Brasil. Para ilustrar, Favarin cita que o Porto de Santos, o principal do País e da América do Sul, já tem operado acima da capacidade, o que leva mais movimentação para outros terminais, incluindo os da Wilson Sons na Bahia e no Rio Grande do Sul.

A demanda maior do que a oferta gera também um aumento significativo nos preços pagos pelos armadores, empresas responsáveis pelo transporte marítimo, aos operadores responsáveis pela administração dos portos. Sem a perspectiva de uma melhora nesta dinâmica no curto prazo, a compra das operações portuárias fica mais atrativa para os armadores.

“A percepção de custos para os próximos anos justifica uma aquisição. Se o armador precisa pagar muito mais para atuar em um terminal operado por terceiros, faz mais sentido ter um ativo próprio sobre o qual ele tenha mais gerência e possa garantir capacidade”, afirma Favarin.

Otimização

Os altos níveis de utilização interferem também na previsibilidade das operações, complementa o diretor-gerente da consultoria SOLVE Shipping Intelligence, Leandro Barreto. “É natural que os armadores queiram avançar sobre esse elo da cadeia que tem sido o calcanhar de Aquiles deles. É um movimento de defesa contra a falta de capacidade”, diz.

O consultor também vê benefícios setoriais vindos da operação. “Quando os armadores fazem esse tipo de aquisição, vêm com uma postura bastante importante de investimentos e expansão de capacidade, que é tudo que o Brasil está precisando”, acrescenta.

Fabrizio Pierdomenico, consultor e ex-secretário nacional de Portos, ressalta que, com a compra de terminais portuários, os armadores conseguem potencializar o resultado nas duas pontas, tanto do navio como da operação do terminal. “Em tese, esta verticalização traz escala, o que, baixa custos e aumenta a competitividade do terminal”, avalia.

Há quase 190 anos no mercado, a Wilson Sons atende mais de 5 mil clientes, incluindo armadores, importadores e exportadores, indústria de energia offshore, projetos de energia renovável, setor do agronegócio, segundo a companhia. O portfólio inclui terminais de contêineres na Bahia e no Rio Grande do Sul, 80 rebocadores, 23 embarcações de apoio offshore com bandeira brasileira, duas bases de apoio offshore na Baía de Guanabara (RJ), um centro logístico alfandegado em Santo André (SP) e dois estaleiros no Guarujá – SP.

Verticalização e Cade

O processo de verticalização, que consiste na mesma empresa atuando como armadora e operadora portuária, é alvo de controvérsias entre especialistas. Por um lado, há o argumento de que esta é uma tendência global e natural do mercado. Contudo, críticos apontam problemas de concentração que podem afetar negativamente a competitividade.

A falta de consenso sobre o tema pode vir à tona na avaliação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), que precisa aprovar a compra da Wilson Sons pela MSC e da Santos Brasil pela CMA.

Favarin, da Garín Partners, ressalta que, apesar de não ser possível prever a leitura do órgão antitruste, o debate sobre a verticalização é histórico. “Pela importância do tema da verticalização para o setor, tenho dúvidas se a discussão no Cade será simples”, avalia o consultor.

Pierdomenico considera que a pauta, que deve seguir gerando discussões, precisará ser analisada com cuidado para evitar concentração de mercado. Contudo, considera que “a legislação e regulação são maduras suficientes para prevenir qualquer tipo de afronta à concorrência”.

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