Gilmar sobre marco temporal: Este tribunal não admitirá solução que não contemple Constituição

05/ago 16:07
Por Isadora Duarte e Lavínia Kaucz / Estadão

O ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes afirmou que a Suprema Corte não vai admitir solução em relação ao marco temporal de terras indígenas que não contemple a Constituição Federal e a preservação dos direitos fundamentais. “Esse tribunal não admitirá solução que não contemple a observância da Constituição Federal. É importante que se estabeleça premissa séria no início desses trabalhos. O caminho escolhido pelo Estado brasileiro para a questão indígena é infelizmente a omissão vexatória”, disse Mendes, ao discursar na primeira audiência de conciliação que busca um acordo sobre o marco temporal para a demarcação de terras indígenas.

Mendes afirmou que o resultado da Comissão será submetido ao crivo do plenário da Casa. “Não se preocupem aqueles que equivocadamente veem no diálogo o enfraquecimento dos direitos fundamentais”, afirmou Mendes. “Não há pacificação social com imposição unilateral de vontades. Esse país comporta todos nós em seus múltiplos modos de vida e valores”, acrescentou.

Gilmar Mendes lembrou que o artigo 5º da Constituição Federal estabelece que a União concluiria a demarcação das terras indígenas cinco anos após a promulgação, em 5 de outubro de 1988. O ministro citou dados de organizações indígenas que mostram que há 270 terras indígenas pendentes de demarcação, sendo 12 homologadas, enquanto há 409 regularizadas. “O direito dos povos originários é regido ainda no plano infraconstitucional pelo Estatuto do Indígena. A sociedade brasileira não foi capaz de implantar os compromissos assumidos e nem mesmo de atualizar a legislação”, observou Mendes.

É possível marcar territórios indígenas sem desrespeitar situações consolidadas

Gilmar Mendes voltou a defender que é possível realizar a demarcação de terras indígenas sem desrespeitar as ocupações consolidadas ao longo do tempo e de boa fé. “É possível cumprir a Constituição demarcando territórios indígenas sem desrespeitar ocupações consolidadas e de boa fé. É necessário demarcar terras indígenas e conferir aos seus habitantes meios de conseguir seus propósitos e objetivos, não com a tutela do Estado, mas como pessoas plenas e independentes”, disse Mendes, ao discursar na primeira audiência de conciliação que busca um acordo sobre o marco temporal para a demarcação de terras indígenas.

O ministro afirmou que tratar aqueles que ocupam as terras em situações consolidadas como violadores não resolverá o debate. “Muitos casos de titulação decorreram de ações dos governos federal e estadual. Há inúmeros direitos fundamentais em jogo no conflito que perdura por séculos. A vilanização de indivíduos e a utilização de lentes monocromáticas empobrece o debate e inviabiliza a construção de soluções”, afirmou Mendes. “A inação não é mais uma opção. A crise não vai se resolver sozinha”, defendeu Mendes.

Mendes citou dados recentes de investida de fazendeiros sobre povos indígenas no Centro-Oeste e de invasões de terras privadas ao mostrar que o conflito é crescente. Mendes citou também o projeto de lei 2.903/2023, aprovado pelo Congresso, que estabelece o marco temporal para demarcação de terras indígenas, ou seja, serão passíveis de demarcação apenas áreas em que estiverem ocupadas pelos povos indígenas na data da promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988. “O Parlamento brasileiro não parece ter produzido resultado que tenha pacificado o tema com a lei. É uma janela de pacificação histórica que deve ser aproveitada por todos para que se tente produzir resultado pacificante”, defendeu Mendes.

O ministro observou que “problemas complexos não se resolvem com soluções simplistas” ou com “desinteligência” entre as esferas de Poder. “Nesta comissão, estamos a tentar pacificar os ânimos e ver o que de bom podemos aprender com a sociedade civil. É chegada a hora de todos sentarem à mesa e chegarem a um consenso mínimo”, concluiu Mendes.

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