Governo quer produzir alga exótica no mar do Nordeste para substituir potássio

17/03/2022 20:38
Por André Borges / Estadão

Uma das alternativas avaliadas pelo governo Jair Bolsonaro para reduzir a dependência do Brasil na importação de fertilizantes passa pela criação de algas exóticas em áreas do litoral do Nordeste. O biofertilizante feito a partir dessas plantas já é utilizado por alguns produtores rurais e teria potencial de ser expandido com a criação de “fazendas marinhas”. Especialistas no setor, porém, alertam para o risco dessas algas, que têm origem nas Filipinas, se espalharem e comprometerem regiões de recifes e espécies de peixes.

Por meio de um tipo de rede de contenção, mudas dessas macroalgas são amarradas e permanecem boiando na água, onde se reproduzem rapidamente, chegando a ter seu tamanho ampliado em até 10% a cada dia. O secretário da Pesca, Jorge Seif Júnior, afirma que as macroalgas usadas como fertilizantes (espécie conhecida pelo nome científico Kappaphycus alvarezii) já são produzidas há anos em determinadas regiões do litoral de São Paulo, Rio de Janeiro e Santa Catarina. O potencial na Região Nordeste, porém, seria muito maior, por causa da maior incidência de luz e calor, além da salinidade superior nesta região.

“Estamos atuando junto ao Ibama para que essa produção possa ser estendida ao Nordeste brasileiro. Lá no Nordeste, graças à incidência solar e temperatura, podemos produzir dez vezes mais do que produzimos no Sul do Brasil”, disse Seif Júnior, em vídeo publicado em redes sociais. “A nossa secretaria não é só tilápia, camarão e atum. Nós também regulamentamos a produção de macroalgas, que podem contribuir com a independência brasileira desses insumos.”

Para especialistas em flora e fauna marinhas, a reprodução de algas de outros países exige profunda cautela, sob riscos dessas espécies não nativas se transformarem em uma ameaça às espécies locais. Estudos técnicos internacionais apontam que o tipo de alga que o governo brasileiro pretende cultivar no Nordeste já causou problemas de invasão em países como Índia, Venezuela e Tanzânia, na África Oriental.

“Uma das principais causas de perda de biodiversidade no planeta é a introdução de espécies invasoras. O Brasil é dono de uma das maiores biodiversidades do planeta. Não se trata de ser contra o cultivo de algas, mas do fato de termos espécies nativas que podem ser usadas para isso”, diz Ana Paula Prates, especialista em Biodiversidade Marinha do Instituto Talanoa.

No Ceará, por exemplo, afirma Prates, há anos é realizado pela comunidade local o projeto ‘Mulheres de Corpo e Alga’, que produz plantas marinhas da região que abastecem a indústria do agronegócio, além de gerar renda para famílias da comunidade de Barrinha, no município de Icapuí. “É um ótimo projeto que reintroduziu a espécie local e aumentou o cultivo dessa alga nativa da região”.

O especialista Paulo Horta, professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), afirma que o cultivo da espécie exótica no Estado não apresentou problemas, porque a alga originária das Filipinas não tem grande resistência à baixa salinidade e à temperatura da região. No Nordeste, porém, diz Horta, a situação seria outra.

“O cultivo da alga em si é importante e relevante, mas o risco deve ser profundamente avaliado. Quando falamos de levar essa espécie para o Nordeste, podemos favorecer uma invasão, porque as condições da região se aproximam muito das condições comumente encontradas em sua área de origem, o que acelera muito a proliferação”, explica Horta.

Quando espécies se espalham como monoculturas, diz o professor, tendem a consumir todos os recursos locais. “A espécie passa a competir com substratos de algas nativas e que são importantes para o ecossistema da região. Ela também passa a crescer sobre os corais, o que prejudica os sistemas recifais, produzindo mortalidade e branqueamento.”

Por meio de nota, a Secretaria de Aquicultura e Pesca (SAP) declarou que as linhagens dessas algas das Filipinas (Kappaphycus alvaresii) produzidas no Brasil “não se reproduzem de forma espontânea, (não esporulam, ou seja, não tem reprodução assexuada), sendo que sua propagação acontece a partir de mudas, que não se fixam naturalmente, como em rochas, navios, lixo entre outros”.

Segundo a SAP, essas mudas, quando soltas no ambiente marinho, “são carregadas para praia, onde perdem água e morrem em poucos dias por desidratação”.

A secretaria afirmou que o Ibama, órgão responsável por autorizar o cultivo da espécie, emite licenças baseadas em “estudos biológicos que avaliam, entre outros aspectos, o potencial invasivo da espécie, dando segurança e fazendo proteção ao ambiente natural e às espécies nativas”.

“Só após a liberação do cultivo pelo Ibama e o ordenamento realizado pela Secretaria de Aquicultura e Pesca é que os cultivos poderão ser implantados, de forma responsável, trazendo diversificação aos produtores, incremento na sua renda, aumento de oferta do produto e também auxiliarão na fixação da comunidade tradicional nos seus territórios, oportunizando ainda a entrada de novas pessoas na atividade”, declarou.

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