Grammy reflete os tempos: poucas sensações pop, mas muita produção criativa

14/03/2021 07:20
Por Julio Maria / Estadão

São 83 categorias para, teoricamente, contemplar quase toda a cadeia produtiva da música industrial que circula em território norte-americano. A 63.ª edição do Grammy, que será exibida na noite deste domingo, 14, a partir das 21h (horário de Brasília) pelo canal pago TNT (e também pelo canal da emissora no YouTube), será a primeira gravada sem plateia. Sinal dos tempos. Assim como o Oscar e o Globo de Ouro, ele também é realizado depois de um adiamento de datas por causa das restrições à covid-19.

O apresentador será Trevor Noah, comediante, locutor e ator sul-africano, atual condutor do programa The Daily Show. A longa noite terá, além das clássicas aberturas de envelopes, shows de artistas como Post Malone, Harry Styles, Taylor Swift, Dua Lipa, Billie Eilish, Cardi B e os sul-coreanos do BTS.

É curioso perceber que há um Grammy visível, com vencedores que estarão nos jornais de segunda embalando os pequenos gramofones dourados nos braços, e um outro que ninguém vê. Do mainstream, não há neste ano, talvez pela pouca exposição de música pop no mundo enlutado, apostas em concorrentes avassaladores. Alguns, como a militante veterana Beyoncé (com Black Parade), o rapper doce Post Malone (com Circles) e a resistente Billie Eilish (com Everything I Wanted), disputam a gravação do ano com gente mais nova, como a exuberante e hipersexualizada Doja Cat, 25 anos, que fez da canção Say So um brilhante tributo setentista, e com a banda Black Pumas, que fez o mesmo de toda a sua existência. O Grammy é um festival para jovens com idades entre 15 e 25 anos que não sabem que estão vivendo nos anos 70.

Ainda na superfície, a categoria Álbum do Ano mistura história vivida pelo Grammy com previsões de futuro para servir um prato que os sulistas chamariam de gumbo – quente e saboroso, desde que você ache camarões. Um dos frescores tem mais imagem do que originalidade sonora. Jhené Aiko disputa com o R&B eletro e pasteurizado do álbum Chilombo. Um desperdício de energia. Estão a seu lado o Black Pumas, que lançou uma versão deluxe de seu já velho disco de 2019 para espertamente estar na premiação de 2021, e o Coldplay, com o inebriante álbum Everyday Life, um diamante que não deve ganhar porque o Grammy não faz flashbacks – se fizer, nomes novos não são consagrados e a indústria para.

O jazzista peixe fora d’água Jacob Coulier, que não deve ganhar por ser jazzista demais mesmo quando quer ser pop, está lá com o superproduzido álbum Djesse Vol 3. A deliciosa e interessantíssima banda indie pop formada por três irmãs de família judaica chamada Haim e seu terceiro álbum, Women in Music Pt. III também estão, assim como a cantora Dua Lipa, com Future Nostalgia, o rapper pop Post Malone, com Hollywood’s Bleeding, e a incansável Taylor Swift, com Folklore. Uma aposta? Impossível neste ano de tantos alvos possíveis.

Brasileiros submersos.

Mas vamos ao subterrâneo do Grammy. É lá que habitam as criaturas existentes para dar algum estofo histórico à premiação. Dois brasileiros aparecem ilhados em segmentações diferentes. Concorrendo ao Melhor Álbum de Jazz Latino, o violonista de São Paulo, radicado em Nova York, Chico Pinheiro pode sair consagrado por City of Dreams. É um álbum primoroso, vibrante, com temas como Long Story Short, com o saxofonista Chris Potter, e o fusion Invisible Lights. Alguns dos “jazzistas latinos” concorrentes pesam ouro: o pianista Gonzalo Rubalcaba com a fabulosa cantora e atriz também cubana Aymee Nuviola em Viento y Tiempo, gravado ao vivo no Blue Note de Tóquio, a energética Afroperuvian Jazz Orchestra com o álbum Tradiciones, e o conguero norte-americano de origem latina Poncho Sanchez, com Trane’s Delight.

Filha de João, Bebel Gilberto, também residente em Nova York, aparece na categoria Melhor Álbum de Música Global. “Música global” veio substituir o genérico “world music”, termo que se tornou uma piada entre os músicos, claramente criado por quem não entendia nada do que estava ouvindo.

Música global segue sendo tão descompromissado quanto música do mundo, mas é também onde são feitas as maiores viagens. Ouvir os colegas de sessão de Bebel Gilberto, mais do que ouvir a própria Bebel em estado de sonolência e torpor cantando em Agora, traz deleites e descobertas a quem mergulhar nos meandros do Grammy profundo. Ao lado de Agora, um disco de brasilidade chapada e futurista, estão os afrobeaters da banda norte-americana Antibalas, com Fu Chronicles; o rap afro-latino do nigeriano Burna Boy, com Twice as Tall; a indiana sitarista e cantora Anoushka Shankar, filha de Ravi e irmã de Norah Jones, com Love Letters; e os bluesmen do deserto do Saara, o sensacional grupo de blues do Mali chamado Tinariwen, com o álbum Amadjar. Chick Corea, no ano de sua morte, aparece indicado em suas categorias relacionadas ao jazz. Sua vitória não será apenas memorialística. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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