Grupos iraquianos ligados a milícias pró-Irã contestam resultado de eleição
Derrotados nas eleições legislativas de domingo passado no Iraque, partidos xiitas pró-Irã prometeram nesta terça-feira, 12, tomar as medidas necessárias para anular o que chamam de “fraude”. A inconformidade deve levar a um longo processo de formação de governo. As legendas descontentes com o resultado são ligadas a milícias acusadas de executar centenas de manifestantes que tomaram as ruas em 2019 e ainda se mantêm mobilizados.
Com 96% das urnas apuradas, nenhum dos blocos políticos parecia ter condições de obter a maioria no Parlamento e, consequentemente, nomear um primeiro-ministro. Mas o bloco do clérigo populista xiita Moqtada al-Sadr deve ter mais assentos no Parlamento. Ele lidera em várias das 18 províncias do país, incluindo a capital Bagdá.
Sadr defende uma retórica anti-Irã, país no qual chegou a se exilar. Lembrado por comandar uma insurgência contra as forças dos Estados Unidos – o movimento sadrista – após a invasão de 2003, ele calcula ter aumentado o número de representantes no Parlamento de 54, em 2018, para mais de 70. A Casa é composta por 329 integrantes.
Derrotada, a aliança Fatah, liderada pelo paramilitar Hadi al-Ameri, ganhou destaque durante a guerra contra o grupo extremista Estado Islâmico (EI), que é sunita. Segunda força no atual Parlamento, a Aliança da Conquista, que representa ex-integrantes da força paramilitar Hashd al-Chaabi (Mobilização Popular), caiu de 48 para 10 assentos. Alinhada ao Irã, a Aliança deve seguir influente.
“Tomaremos todas as medidas disponíveis contra a manipulação de votos”, garantiu em nota a Aliança, também assinada pelo partido do ex-primeiro-ministro Haider al-Abadi, que governou de 2014 a 2018.
Hadi al-Amiri, uma das figuras pró-iranianas mais poderosas no Iraque, disse que os resultados foram fabricados, de acordo com o canal de TV pró-iraniano Al-Aahd. Uma das facções mais poderosas do Hashd, as Brigadas do Hezbollah, rejeitou a eleição como “a maior fraude a que o povo iraquiano foi submetido na história moderna”.
O Hashd foi formado em 2014 e desempenhou papel importante na derrota do EI, que havia expandido seu autodeclarado califado, centrado na Síria – os radicais chegaram a conquistar um terço do Iraque. Desde então, o Hashd foi integrado ao aparato de segurança do Estado, e muitos legisladores ligados a ele foram eleitos para o Parlamento em 2018.
Questionada sobre as acusações de fraude, a chefe da missão de observação da União Europeia, Viola von Cramon, declarou que a votação foi “calma e ordenada”.
A baixa taxa de participação (41%) era esperada em um país onde a opinião pública rejeita o sistema político, considerado corrupto: apesar da imensa riqueza do petróleo, um terço da população é pobre e os serviços públicos são precários. Quase um terço dos quase 40 milhões de habitantes vive na pobreza, de acordo com a ONU, e a pandemia de covid-19 agravou a crise econômica.
Se a vitória dos aliados de Moqtada al-Sadr for confirmada, o grupo seguirá como a maior força do Parlamento, podendo influenciar negociações sobre a escolha do novo primeiro-ministro. Outra tendência é o avanço da Aliança do Estado de Direito, do ex-primeiro-ministro Nouri al-Maliki (pró-Irã), que reivindica 30 assentos. O partido Taqadom, do chefe do Parlamento Mohamed al-Halboussi – um sunita -, calcula ter obtido cerca de 40 assentos.
As eleições estavam inicialmente previstas para 2022. O primeiro-ministro Mustafa al-Kadhimi antecipou a votação para apaziguar um movimento de protesto liderado por jovens que irrompeu há dois anos contra a corrupção, o desemprego, os serviços públicos em ruínas e a influência iraniana na política.
Reprimido violentamente – há pelo menos 600 mortos e 30 mil feridos – o movimento perdeu força. Desde então, ativistas têm sido alvo de atentados e sequestros, que o grupo atribui a grupos armados pró-Irã.
Ali al-Nashmi, professor de Relações Internacionais da Universidade Mustansiriyah em Bagdá, disse à rede Al-Jazira que as eleições terão provavelmente resultado semelhante ao da eleição anterior, em 2018.
“Nada vai acontecer. São os mesmos líderes, a mesma lista, a mesma programação e o mesmo plano e meta”, disse ele. “O resultado da eleição vai gerar meses de disputa inócua sobre quem de fato deve conduzir a formação do governo, e manter o Estado paralisado.” (Com agências internacionais).