‘Há um casamento da crise econômica com a da política’

09/09/2021 17:00
Por Filipe Serrano / Estadão

As ameaças do presidente Jair Bolsonaro nos atos do 7 de Setembro foram um “ponto de virada”, no sentido de agravar a situação da economia brasileira, na avaliação do economista José Roberto Mendonça de Barros, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (1995-1998) e sócio-fundador da consultoria MB Associados. Em entrevista ao Estadão, ele afirma que a instabilidade política se soma a um quadro de piora dos indicadores econômicos, com uma inflação em alta, o desemprego elevado e a perspectiva de uma crise hídrica no radar de investidores, empresas e consumidores. Assim, as incertezas políticas afugentam os investimentos e provocam uma desaceleração do PIB. Mendonça de Barros não descarta até uma retração no último trimestre ou no ano que vem. “O discurso radical não tem nada a ver com os problemas que o Brasil enfrenta, e deixa as pessoas e os empresários inseguros”, diz. Leia a seguir os principais trechos da entrevista:

O mercado reagiu mal às declarações de Jair Bolsonaro nos atos do dia 7 de Setembro. Qual é a gravidade das falas do presidente para a economia?

Não é exagero dizer que ontem (7 de setembro) foi um ponto de virada, na direção de piorar a situação. Há agora um casamento de uma piora do cenário econômico com uma óbvia piora do cenário político, que assumiu um tom até mais dramático do que na economia.

O que está levando à piora nas perspectivas para a economia?

Por volta de maio, uma boa parte dos analistas do mercado estava otimista com o desempenho do Brasil neste ano, por causa da melhora dos indicadores fiscais. De lá para cá, as coisas pioraram de forma muito maior do que o esperado. Nós, na MB, que não éramos particularmente otimistas, também ficamos surpresos, porque ficou ainda pior.

Pior em que sentido?

A gente caminha para uma situação fiscal atrapalhada, agravada pela repetição do processo orçamentário maluco que temos hoje. Tem um Orçamento que foi para o Congresso em agosto e que não tem consistência. Vale uma nota de 3 reais e 50 centavos. E, de lá para cá, apareceram os precatórios. A situação fiscal é tudo menos o conforto que se dizia. Em segundo lugar, a inflação, por razões conhecidas, foi muito pior. A projeção em maio era de 6% para 2021 e, agora, está acima de 8%. Em terceiro, como consequência, o Banco Central continua correndo atrás da curva (de juros), como se diz no mercado. E entrou também no cenário algo que se podia perceber em maio, mas não na dimensão como de hoje, que é a crise hídrica. Uma parte dessa crise se reflete em aumento de tarifa, com piora para a inflação, e outra parte indica um risco sério de ter apagão no fim do ano. As projeções mostram que o nível das represas será inferior a 10% no fim do ano. Quando se chega a isso, algumas plantas precisam parar de produzir. Obviamente, o cenário piorou. Mesmo os mais otimistas para este ano projetam um crescimento muito modesto do PIB para o ano que vem. Em cima disso, há a radicalização da política.

Quais são as consequências mais diretas da radicalização?

São duas. A primeira em si é o aumento das incertezas. Começa a ter discursos antidemocráticos de um presidente que tem 25% de apoio, e gera um grau de incerteza fenomenal. Ao mesmo tempo, a própria situação econômica e, portanto, também a do governo piora. E há um desembarque enorme de boa parte do PIB e de players importantes de todas as naturezas. O desembarque demorou para acontecer, mas agora é irreversível.

O sr. diz desembarque em relação a apoio ao governo, certo?

Isso. E se manifesta de diversas formas. Alguns falam apenas reservadamente. Mas tem uma perda de apoio ao governo e uma busca por alternativas. Isso vai aumentar. O discurso radical, totalmente desligado da realidade, com pautas ideológicas que não têm nada a ver com os verdadeiros problemas do Brasil, só deixa as pessoas mais inseguras com o que vem pela frente. E estamos ainda a mais de um ano da eleição. E, finalmente, piora de forma dramática as chances de a pauta do Executivo na área econômica ser aprovada no Congresso. Deu um nó. Eu acho que não vai se aprovar mais nada. Em cima disso, a empresa que esperava a economia sair do buraco para voltar a crescer não vai mais poder contar com isso.

As decisões de investimentos já estão sendo prejudicadas?

Sim. Ao contrário do que ocorre nos EUA e em países da Europa, o Brasil não tem e nem terá um aumento dos investimentos das empresas em meio a essas incertezas gigantescas. Já estamos vendo empresas postergando decisões de investimento e abertura de capital. Estamos saindo do buraco e desacelerando em direção ao fim do ano. Nessa situação, ampliar a incerteza política piora o desempenho econômico.

Já estão revendo a projeção de crescimento de 1,4% para 2022?

Sim. Mas tem de esperar um pouco para dizer. Já vemos indicadores do segundo semestre com sinal negativo. A indústria, por exemplo, que foi a puxadora da economia por meses, perdeu o gás. Vemos até a possibilidade de o PIB escorregar para uma pequena recessão no fim deste ano e começo do ano que vem. Porque passou o efeito base do primeiro semestre. Não se está comparando mais com a queda do ano passado, mas já com a recuperação. Lembrando que só a exportação está ajudando o crescimento, porque o consumo estagnou e vai seguir estagnado. A inflação subiu tanto, que descapitalizou todo mundo, e tem muitas famílias endividadas. Vai ser um problema para muita gente, infelizmente. A gente caminha para um fim de ano fraco e a situação política só reforça isso.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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