HERANÇAS AUTORITÁRIAS, NO PLURAL II

04/08/2016 13:25

Vamos, agora, à questão das heranças autoritárias, sim, no plural. Antes de colocar apenas Portugal como o primeiro da fila, é fundamental examinar as demais etnias que compõem o Brasil. Sabemos que vastos contingentes de outros povos vieram para cá: além de africanos, recebemos italianos, japoneses, alemães, espanhóis, árabes, dentre outros, que hoje são tão brasileiros quanto o tripé original de índios, africanos e portugueses.

 Um simples exame nos revela que esses povos também têm sua parcela de responsabilidade na composição do autoritarismo nacional. Uns mais, outros menos, mas o lado pouco democrático está presente em todos eles. Mussolini, Hitler, Franco e Hiroito, por exemplo, não são herois da democracia. E todos pertencem a um passado recente desses povos. As várias ditaduras em países africanos são um fato histórico bem conhecido. Esses povos, em determinados momentos, deram entusiástico apoio a essas figuras. Depois, se arrependeram.  

Que lição podemos tirar dessa constatação em relação às origens e práticas políticas desses povos que para cá vieram? Que o lado autoritário do melting pot das etnias que compõem o Brasil, também estava presente na formação histórica delas. Os sobrenomes de dois dos presidentes militares do golpe de 1964 revelam que não foi só a herança autoritária lusitana a que devemos responsabilizar pelos 21 anos de ditadura militar.  

 É hora de tocar outra marcha, de tom harmonioso, ao invés da fúnebre, tirando proveito da contribuição e das muitas virtudes desses povos para nos livrar desse passado autoritário comum e construir uma sociedade inclusiva e democrática. De mais a mais, a língua – o português – é sempre o elo mais forte entre pessoas, ainda que de diferentes etnias e culturas.

Curiosíssimo em tudo isso foi o Brasil ter chegado a 1889 com plena liberdade de imprensa, com moeda estável, com um regime parlamentarista a ser aperfeiçoado, mas já capaz de pôr fim rápido a maus governos, com dívida externa consolidada renegociada a juros de 4% ao ano (!), com homens públicos respeitados pela população, com dois partidos, o Liberal e o Conservador – que tinham programas, votavam de acordo com eles em plenário e acompanhavam religiosamente a execução do orçamento público –, que era respeitado internacionalmente, e que vinha obtendo êxito em seu processo de industrialização. Nada mal para uma obra, até então, de descendentes de portugueses, negros e índios. Parece – e é – o negativo da foto que contemplamos hoje. 

Neste ponto, voltamos à piada russa: a república no Brasil foi o caminho mais longo entre o que já tínhamos conquistado, em boa medida, há mais de um século e que hoje voltamos a almejar. Estamos diante daquela situação em que a herança institucional pode ser tudo menos maldita. Até quando faremos da terceirização da culpa e da perda de tempo nosso “método” de tocar o País?


Últimas