História alternativa e o plebiscito de 1993

27/03/2021 08:00
Por Gastão Reis

Barbara W. Tuchman é o grande nome da história alternativa, descrita e exemplificada em seu livro “A Marcha da Insensatez de Tróia ao Vietnã”. Em sua visão, em dada situação histórica em que os principais atores políticos da época desconheciam alternativa(s) não faz sentido explorar opções de outros cursos de ação. Entretanto, quando havia alternativa(s) que era(m) do conhecimento dos envolvidos, é perfeitamente razoável debater e aprender com o que poderia ter sido o curso da História se o bom senso houvesse prevalecido. Em seu livro, ela analisa os equívocos das guerras de Tróia e do Vietnã.

Mas ela não aborda em seu livro a importância capital de um texto constitucional dispor de cláusulas capazes de lidar com situações de crise nos planos interno e externo. Tais dispositivos são capazes de dar solução a conflitos sérios, impedindo que cresçam em bola de nove. O que não impede que seja uma porta aberta para outros cursos de ação ressaltados pela visão da história alternativa. O caso brasileiro é ilustrativo do drama. A república, que merece o “r” minúsculo, se escorou em meia dúzia de constituições onde reina a ficção de “poderes harmônicos e independentes”. O Império, sabiamente, estabeleceu, na Carta de 1824, o Poder Moderador na pessoa do Chefe de Estado para lidar com situações de conflito entre os poderes dentro da Lei.

As críticas ao Poder Moderador se baseiam em sua amplitude. Tinha, e tem, a seu favor o caráter de poder fiscalizador acoplado à sua capacidade de pôr ordem na casa quando os outros três se desentendem, situação evidente no Brasil de nossos dias. Claro que teria que ser adaptado aos novos tempos, mas sem perder as características de fiscalizador e de gerador de harmonia dentro da Lei. E ainda de só ser acionado após o Chefe de Estado, monarca ou presidente, ouvir o Conselho de Estado. No tempo do Império era assim, para evitar decisões monocráticas tão ao gosto de certos ministros do STF.

Outra crítica ao Poder Moderador é que se tratava de uma jabuticaba bem brasileira. E que só existiu no Brasil. Não mesmo! Os países bem resolvi-dos em termos político-institucionais, ainda hoje, adotam quatro poderes: Legislativo, Judiciário, Executivo e Moderador, este exercido pelo Chefe de Estado, presidente ou monarca, que entra em ação quando as circunstâncias o exigem. As exceções se situam basicamente na América Latina e na África onde prevalece o presidencialismo que continua a fazer estragos de toda ordem nas crises, e até fora delas, ao juntar na pessoa do presidente da república as chefias de Estado e de governo, um acúmulo excessivo e desastroso de poderes.

Passemos ao plebiscito de 1993 e ao que poderia ter sido evitado caso a proposta do parlamentarismo com monarquia tivesse sido vitoriosa. Acredito que eu possa dar um testemunho qualificado, e equilibrado, sobre o ocorrido.

A convite do Dep. Cunha Bueno, no início de 1991, assumi a presidência do Movimento Parlamentarista Monárquico (MPM) no Estado do Rio de Janeiro, sendo ele o presidente nacional do Movimento. Não caberia aqui um relato detalhado dos anos que me dediquei à Causa. Mas, sim, um contraponto entre os principais pontos defendidos pelo MPM em seu projeto de constituição, publicado no número 22, de março de 1993, do nosso jornal “Cara & Coroa” e a desconjuntura atual em que a república se debate sem rumo.

A primeira observação é o tempo perdido pela república de quase uma geração, desde 1993, para implementar as reformas óbvias como a do Banco Central independente, a previdenciária finalmente realizada em parte e ainda aquelas que continuam na prateleira, mofando há décadas, como o voto distrital puro, a tributária e a administrativa. E ainda a proporcionalidade da representação popular na Câmara dos Deputados, burocracia de carreira devidamente avaliada e cobrada, e a reforma partidária para valer.

A ausência destas reformas imprescindíveis, e pendentes, dá bem a medida de que o interesse público está longe de vir em primeiro lugar. A inexistência do voto distrital puro e da revogação de mandatos quer por iniciativa dos eleitores em seus distritos eleitorais nos três níveis (deputados federais, estaduais e vereadores), quer partindo, quando necessário, do poder moderador exercido pelo monarca, via dissolução das câmaras municipais, estaduais e federal, configura bem a impotência e desilusão do eleitor em ser capaz de controlar efetivamente seus representantes, vale dizer, os políticos.

Tais dispositivos teriam impedido que o povo brasileiro se transformasse numa massa a serviço de uma burocracia caríssima e de baixo desempenho a não ser na hora de cobrar impostos extorsivos. O normal seria termos uma burocracia a serviço da população brasileira.

No Judiciário, temos um STF empenhado em desmoralizar a Justiça. Um STF em que um dos ministros diz a outro em sessão televisionada: “Vossa Excelência envergonha esta Corte”.  E nada é apurado. Por sua vez, o ministro Fachin resolve monocraticamente colocar Lula em liberdade. E a ministra Cármen Lúcia muda o seu voto de 2018, aceitando a suspeição de Moro. Lula agradece e Moro fica com cara de tacho. Quer dizer, o crime compensa porque a miopia da ministra a impede de ver o contexto maior da corrupção sistêmica do PT. Tudo isso sem uma reação imediata dos demais ministros.

O poder legislativo, câmara federal, senado, assembleias estaduais e câmaras municipais, se esmera também em nos surpreender com decisões em que o respeito por seus representados não é a primeira prioridade. A rigor, não pode ser mesmo por falta de instrumentos radicalmente democráticos como o voto distrital puro e a possibilidade de substituir seus representantes (recall).

O triste quadro é, sem exagero, de falência múltipla das instituições por sua inoperância. Falta-nos um poder moderador para administrar crises a tempo e a hora como proposto no projeto de constituição do MPM. Até quando, parodiando o grande orador romano Cícero, esta república sem res publica (interesse público) vai continuar a abusar de nossa paciência?

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