Hora de lançar mão de plebiscitos
Meio que por acaso, tive a oportunidade de observar na TV uma cédula de uma eleição na California poucos anos atrás. Minha surpresa foi o tamanho dela, cerca de duas páginas. O eleitor era consultado, além do voto para governador e prefeito, sobre uma série de itens de interesse da comunidade californiana. Pelo que pude perceber, era algo que acontecia com frequência. E a razão é simples: quem paga a conta tem direito de decidir sobre uso dos impostos que pagou. Ato contínuo, me passou pela cabeça a escassez de plebiscitos no Patropi. Por circunstâncias diversas, só agora resolvi escrever sobre o tema.
A grande mídia não toca no assunto. E quando o faz é para apontar os riscos de uma democracia plebiscitária que, em princípio, pode gerar situações de ditadura da maioria. De fato, ditadores já lançaram mão de plebiscitos para atingir seu objetivo de estrangular a democracia. Hitler subiu ao poder democraticamente. E resultou na tragédia monumental que todos conhecemos.
Não obstante, plebiscitos podem ser usados para tomar decisões sobre assuntos relevantes nos três níveis de governo. No Brasil, face ao sistema eleitoral que temos ao qual podemos somar os recursos disponíveis hoje na internet, eles bem que poderiam ser usados com mais frequência. A pandemia nos ensinou que as videoconferências e até votações podem ser realizadas a distância sem maiores problemas. E sem sair da residência dos participantes. O número do CPF de cada eleitor poderia ser a senha para sacramentar os votos. Claro, outras exigências poderiam ser acrescentadas para evitar fraudes. Palavra com os especialistas.
Ainda me lembro bem do ministro da Economia Paulo Guedes, pouco antes de assumir seu posto Ipiranga, ter afirmado que precisávamos dar uma prensa no Congresso para aprovar reformas urgentes como a da previdência, dentre outras. Foi o bastante para o então presidente do senado se ofender e impedir que qualquer reforma avançasse até o fim do governo Temer. Mais recentemente, gato escaldo, precisando se votos para aprovar o orçamento, Guedes referiu-se aos deputados como sendo representativos de seus eleitores. Lá no fundo, ele e nós sabemos que não são. Não temos voto distrital puro.
Outro exemplo, que já citei mais de uma vez, foi a proposta do partido NOVO de usar os recursos dos Fundos Partidário e Eleitoral, cerca de dois bilhões de reais, para utilizá-los no combate à pandemia. Rodrigo Maia, então presidente da Câmara, sequer colocou a proposta em votação. Nem mesmo alguma coisa negociada que destinasse, digamos, metade desses recursos para debelar o coronavírus. Malandramente, não quis criar constrangimentos para seus pares. Mas, se a proposta fosse a plebiscito, alguém teria dúvida de que seria aprovada pela população? Claro que sim!
A despeito de toda falação sobre poderes independentes e harmônicos, a realidade é que estão dando cabeçadas entre si. O congresso preocupado com o próprio umbigo das emendas parlamentares bilionárias, mesmo que para tal tenha que extrapolar o teto constitucional. Cortou, por exemplo, os recursos de Cr$ 2 bilhões para a realização do censo decenal pelo IBGE. O próprio poder executivo federal não se sente tranquilo face à CPI para investigar a gestão da pandemia: ela pode abrir caminho até mesmo para o impeachment do presidente. O judiciário conseguiu a proeza, por 8 votos a 3, de fazer voltar à estaca zero os processos contra Lula, o que lhe permite se candidatar em 2022. Quanto à harmonia, ninguém sabe, ninguém viu. Sem um chefe de Estado separado fisicamente do chefe do executivo federal, não há mecanismo ágil para restabelecer a ordem entre os poderes.
O STF merece uma referência à parte. Seus membros vêm-se comportando como se fossem deuses do Olimpo, a morada dos 12 deuses gregos, no caso 11, a tomar decisões contraditórias e estapafúrdias violando o mínimo de bom senso face às dificuldades por que o País passa. Entra em choque aberto com comentaristas do mais alto nível e, também, com a opinião pública em geral.
O embaixador aposentado Azambuja, em brilhante entrevista, instado a falar sobre o STF, abriu o verbo. Em sua visão, o STF está vulnerável por excesso de publicidade. Não só isso. Diz que há falta de saber jurídico real de alguns de seus membros. Não teriam mesmo estatura jurídica para estar onde estão. A comprovação desse estado de coisas são as decisões erráticas que têm sido tomadas. O pão, pão; queijo, queijo, queijo, sem subterfúgios, se transformou em pão é queijo e vice versa. O grupo se tornou imprevisível. Sem citar nomes, comentaristas do mais alto nível da mídia nacional estão, em sua grande maioria, de acordo com essas declarações do embaixador.
A soberba do STF ultrapassou qualquer limite. É como se seus membros fossem um bando de iluminados diante de uma “plebe ignara”, que inclui, estranhamente, analistas tão ou melhor equipados intelectualmente do que suas excelências. Pior: número significativo de juristas de renome nacional já se pronunciaram publicamente contra os desmandos do STF. O senado teria poderes até para declarar o impeachment de determinados ministros, mas não o faz porque um terço dos senadores estão com processos pendentes no STF.
Já que os canais legais estão emperrados para tomar as devidas providências, ao invés de termos que engolir tais sapos indeglutíveis, seria a hora de o povo se fazer ouvir através de um plebiscito para instaurar uma CPI no senado para investigar as decisões descabidas de determinados membros do STF. Para deixar o senado a cavaleiro, o plebiscito autorizaria apenas abrir o processo de apuração, que seguiria depois o rito normal da Casa como manda a lei. Duro é a sociedade ter que aguentar calada tantos absurdos.
Entendeu, caro(a) leitor(a), por que plebiscitos são tão importantes? E tudo isso sem ferir o Estado de Direito. Na verdade, seria uma ferramenta para se fazer valer, democraticamente, a soberania popular.