Igreja aberta vai contra qualquer medida de saúde pública, diz especialista
O Brasil atravessa o pior momento da pandemia, com UTIs lotadas e altas taxas de transmissão da covid-19. Na tentativa de conter o avanço do vírus, governadores e prefeitos têm determinado restrições de circulação e fechamento do comércio. A permissão para manter igrejas abertas durante a quarentena, no entanto, tem sido criticada por especialistas. Os governadores João Doria (PSDB) e Ibaneis Rocha (MDB), de São Paulo e do Distrito Federal, respectivamente, classificaram as cerimônias religiosas como atividades essenciais, garantindo seu funcionamento mesmo na fase mais restritiva dos seus planos de combate à pandemia.
Para especialistas ouvidos pelo Estadão, as cerimônias religiosas, geralmente realizadas em locais fechados e com número grande de pessoas, têm alto risco de contaminação e vão na contramão dos esforços implementados para evitar um colapso da rede de saúde.
“Neste momento da pandemia, com as altíssimas taxas de transmissão que temos, considero essa medida totalmente incorreta, porque existem vários relatos de milhares de casos e centenas de surtos ligados a eventos religiosos, nos Estados Unidos, por exemplo, e vários publicados ao redor do mundo, diz a epidemiologista Denise Garrett, vice-presidente do Instituto Sabin Vaccine. “É inconcebível que, em uma situação que estamos enfrentando no Brasil, que é a pior fase, em que as restrições começam a ser adotadas, se ande na contramão do controle da pandemia.”
O médico e pesquisador da USP Marcio Bittencourt também cita casos de surtos em outros países. “Temos documentação conhecida de casos de supercontaminação em ambientes religiosos na Alemanha, na Coreia e em outros países. O principal evento da primeira grande complicação na Coreia do Sul foi um evento religioso, então a gente tem documentação que demonstra que, mais do que em outros ambientes, o ambiente religioso, com cantos e aglomerações de pessoas, é um ambiente de risco.”
A epidemiologista Denise Garrett enumera algumas razões pelas quais considera um erro do poder público liberar as atividades religiosas agora. “É um ambiente de alto risco, pois geralmente é fechado, com várias pessoas aglomeradas, pouca ventilação e este risco é muito aumentado pelas pessoas cantando e falando ao mesmo tempo. E, mesmo com o uso de máscara e distanciamento, essas medidas ajudam a diminuir o risco, mas elas não o eliminam”, avalia.
E prossegue indicando situações em que os cuidados podem não surtir efeito. “Sabemos que mesmo com distanciamento, álcool em gel, ainda assim pode haver uma transmissão pelo ar quando os hinos são cantados na igreja através de coros e sermões. Isso torna o ambiente de muito risco mesmo porque algumas das máscaras, se não são usadas corretamente, se houver espaços vagos entre a face e a máscara, permite-se ali a liberação ou inalação de partículas através desses espaços”, alerta.
Denise entende que a fé e espiritualidade para algumas pessoas são importantes, principalmente em uma fase tão difícil, mas considera que o objetivo principal deve ser não colocar em risco a vida das pessoas. “A espiritualidade, para ser exercida, não precisa ser em aglomerações em lugares fechados. Pode ser exercida de outras maneiras, além dos encontros virtuais que muitas igrejas têm feito. Há também outras opções, como encontros em locais abertos, mantendo um distanciamento com máscara, que seria uma situação bem mais segura.”
Procurada, a secretaria de saúde do Estado de São Paulo disse à reportagem que o posicionamento oficial foi dito pelo governador João Doria (PSDB) durante coletiva de imprensa em que divulgou a mudança na classificação dessas atividades. “Igreja, de qualquer natureza, tem uma função essencial, mas não está desobrigada a seguir as orientações sanitárias. As igrejas de qualquer religião têm papel essencial. Todos sabem que sou católico e a oração ajuda muito a aumentar a resiliência e esperança em relação ao futuro”, explicou.
Também reforçou que os templos deverão seguir medidas sanitárias como ocupação limitada dos assentos, distanciamento social, aferição da temperatura na entrada e uso obrigatório de máscaras. Procurado, o governo do Distrito Federal não se manifestou.