Iluminação via Wi-Fi E técnica de mangás marcam versão de ‘Pluft’

22/08/2022 08:15
Por Ubiratan Brasil / Estadão

São três pessoas responsáveis pela manipulação do boneco: a primeira cuida dos pés e do joelho, a segunda mexe no tronco e em uma das mãos, e a terceira dá vida à cabeça e à outra mão. “São pequenos gestos, feitos com precisão, que dão vida ao personagem”, explica Miguel Vellinho, diretor da Cia. PeQuod – Teatro de Animação, que estreia uma versão de Pluft, o Fantasminha no Teatro do Sesi, na sexta, 26.

Em cena, bonecos de 80 cm de altura cuidadosamente talhados representam Maribel, Pirata e Pluft, personagens da clássica peça infantil escrita em 1955 por Maria Clara Machado, cujo centenário de nascimento se comemorou no ano passado – ela morreu em 2001. Mas a representação da história do fantasminha não segue uma tendência tradicional: Vellinho trouxe para a montagem referências de mangás e animes infantis, linguagem que marca os quadrinhos japoneses.

“Quando começamos o trabalho de adaptação do texto para o ambiente dos bonecos, percebemos uma grande proximidade entre os universos de Maria Clara e das HQs orientais, ou seja, há uma ingenuidade e um tom acolhedor que os unem.” A descoberta veio depois de um longo estudo feito pelo diretor, também professor universitário, sobre mangás e, especialmente, as animações de cinema comandadas por Hayao Miyazaki, à frente do Studio Ghibli.

Miyazaki é um estranho no ninho no mundo da animação – enquanto estúdios de vários países utilizam a tecnologia de ponta na confecção de suas produções, ele sempre se manteve fiel ao estilo antigo, feito à mão, quadro a quadro. E, além da técnica artesanal, ele é dono de uma imaginação exuberante. “É o que nos fez apoiar em obras como A Princesa Mononoke, Ponyo e Meu Amigo Tororo”, diz Vellinho.

Oriental

Além disso, tanto os seis manipuladores como os bonecos usam trajes de inspiração oriental e dialogam também com elementos trazidos pela design de moda Eiko Ishioka – as pessoas, por exemplo, utilizam também um protetor no rosto, uma espécie de leque. “Sempre trabalhamos com a técnica da manipulação direta, oriunda do Bunraku japonês. Essa montagem reverencia os muitos pontos que aproximaram e aproximam Brasil e Japão há tanto tempo”, pontua o diretor.

Além dos figurinos, também a cenografia foi criada com inspiração em técnicas orientais – a história se passa em um jardim japonês, onde uma janela indica o porão da casa onde acontece a trama, dividindo o interior do exterior, que é pintado em uma tela de fundo.

Tecnologia

Um toque original está no uso da tecnologia, que interfere diretamente na iluminação: dois bonecos (os que representam Pluft e sua mãe) carregam uma bateria especial acionada por Wi-Fi para mudar a iluminação interna do personagem de acordo com seu humor. “Ele fica vermelho quando está bravo, verde quando está feliz e assim por diante, enfatizando momentos de medo, raiva e vergonha”, conta Vellinho. “A alternância não é feita pelos manipuladores, mas por técnicos que acessam a bateria usando internet sem fio.”

A peça de Maria Clara Machado (que já foi definida por Ruy Castro como uma espécie de Hamlet infantil) foi modificada a fim de ficar compatível a uma montagem com bonecos. “A essência está lá, só conferimos mais dinamismo e ação, pensando em filmes de aventuras como Os Caçadores da Arca Perdida”, conta Vellinho.

O diretor e o elenco perceberam ainda a necessidade de fazer algumas mudanças nas personalidade e nomes de alguns personagens. “A mãe de Pluft, que trazia elementos próximos de uma matriarca do século passado, com ênfase aos trabalhos domésticos, reaparece de forma renovada e atualizada aos tempos de agora. Já o famoso Pirata Perna de Pau reaparece como Cara de Mau, atenuando uma visão capacitista que existia quando o texto foi escrito”, conta a atriz Liliane Xavier que, como os demais manipuladores, faz as vozes dos personagens.

Assim, Pluft, o fantasminha que tem medo das pessoas, tem a rotina mudada quando conhece Maribel, uma menina sequestrada pelo pirata Cara de Mau. É a partir desse encontro inusitado que o protagonista descobre o impulso e a coragem para crescer e enfrentar o mundo. A peça, que também inspirou um filme ainda em cartaz nos cinemas, logo se tornou um clássico do teatro brasileiro.

“O texto ainda provoca imediata conexão com o público jovem, o que potencializamos ao adotar as técnicas de mangás e animes, que têm grande repercussão especialmente entre os adolescentes, na encenação”, finaliza o encenador.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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