Inhotim abre mostras e presta tributo aos excluídos sociais

05/06/2022 09:30
Por Antonio Gonçalves Filho / Estadão

É possível afirmar que as exposições temporárias abertas na última semana de maio em Inhotim representam uma mudança radical de orientação da nova direção do instituto (o diretor Lucas Pessôa, a diretora artística Julieta González e a vice-presidente Paula Azevedo). Agora, Inhotim não é só um museu com gigantescos pavilhões permanentes para artistas consagrados, mas um centro de discussão sobre a produção artística contemporânea, especialmente aquela pouco representada nas instituições oficiais. As provas dessa mudança são as mostras abertas no dia 28, entre elas a do fotógrafo e cineasta inglês Isaac Julien, gay e negro, outra sobre as origens do Teatro Experimental do Negro, criado pelo diretor e pintor Abdias do Nascimento, e ainda duas instalações poéticas, uma do carioca Arjan Martins e outra da mineira Laura Belém.

O fundador de Inhotim, Bernardo Paz, vibra com a nova fase de Inhotim, mais inclusiva. “A nossa é a única coleção brasileira realmente internacional, mas faltava dar mais atenção aos artistas negros e indígenas”, observa, prometendo construir um pavilhão totalmente dedicado à arte da diáspora africana – e o artista Dalton de Paula, nascido em Brasília há 40 anos, surge como o candidato perfeito para ser a figura central. Justo. Ex-bombeiro formado em Artes Visuais em Goiânia, Dalton é um nome consagrado no circuito internacional (seu retrato de Zumbi foi exposto no MoMA e na 32ª. Bienal de São Paulo).

EXCLUÍDO. Isaac Julien fez um percurso semelhante, lutando para afirmar sua condição de afrodescendente até chegar a uma produção sofisticada como o filme Looking for Langston, em exibição na mostra temporária dedicada ao cineasta por Inhotim. A obra, um média metragem de 42 minutos realizado em 1989, faz parte do acervo da Tate Britain e aborda a vida do poeta norte-americano Langston Hughes e o renascimento do Harlem – anos 1920, era do revival da cultura afro-americana na música, moda, literatura e no teatro.

Julien assina não uma cinebiografia convencional de Hughes (1902-1967), mas uma docuficção da luta dos negros pela inserção social e contra o preconceito, seja no Harlem de um século atrás ou na Londres dos milicianos da era Margareth Thatcher (1979-1990), tudo filmado com absoluto requinte (em preto e branco). Detalhe: a voz da Nobel Toni Morrisson surge em ‘off’ lendo um texto no funeral do escritor James Baldwin, em que o autor de Giovanni relata como foi difícil para ele viver como negro e gay numa sociedade supremacista e intolerante como a americana. Julien foi buscar na poesia de Hughes um testemunho semelhante, no qual ele (que jamais assumiu publicamente sua homossexualidade) fala de um amigo ausente.

Igual preconceito racial sofreu o dramaturgo, político, ativista e pintor brasileiro Abdias do Nascimento (1914-2011), fundador de entidades pioneiras como o Teatro Experimental do Negro (TEN) e o Museu da Arte Negra. Em parceria com o Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-Brasileiros (Ipeafro), o Instituto Inhotim reuniu, em sua Galeria da Mata, pinturas, fotos e documentos históricos, entre eles uma carta do próprio Langston Hughes autorizando a encenação de sua peça O Mulato, em 1954, pelo TEN (que começou com uma montagem de O Imperador Jones, de Eugene O’Neill, em 1945, primeira vez que um ator negro pisou no palco do Municipal carioca).

HERANÇA. Abdias, descendente de escravos, cuja avó padeceu no manicômio do Juqueri, foi perseguido tanto por Getúlio Vargas (que censurou sua peça Sortilégio) como pela ditadura militar. Montou um grupo de teatro no presídio do Carandiru e, após a promulgação do AI-5, em 1968, mudou-se para os EUA, onde virou professor e pintor. A mostra inclui fotos das montagens dirigidas por Abdias, pinturas suas que tratam do universo religioso afro-brasileiro e telas de grande pintores negros como Rubem Valentim.

Ainda que não trate diretamente da condição do negro, a instalação montada agora em Inhotim pelo artista carioca Arjan Martins, Birutas (2021), lida com as migrações, as diásporas e os movimentos coloniais históricos em territórios afro-atlânticos. Arjan usa “birutas” com as cores do Código de Navegação relacionando-as às intempéries, metáfora para a turbulência em que vivemos.

LUZ. Outro momento lírico da nova safra de Inhotim é a instalação Enamorados, de Laura Belém, já apresentada na Bienal de Veneza. Sobre o lago, dois barcos a remo, equipados com holofotes e colocados frente a frente, substituem a presença humana com luzes que se acendem no intervalo de 20 segundos, invertendo-se a ordem até que o ciclo se reinicie automaticamente. É uma ótima parábola para Inhotim, que passou da escuridão da pandemia para uma iluminada nova era. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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