Insensibilidade do andar de cima

18/04/2020 12:00

  Ao percorrermos o histórico da república ao longo desses malfadados 130 anos, é possível detectar uma sinistra coerência em matéria de ignorar os reais interesses do País. A principal falha, ao longo de mais de um século, foi o descaso com a educação pública de qualidade em tempo integral, fundamental no combate à desigualdade social. O desprezo pela população de origem africana e mestiça evidenciou-se, desde o início do regime, na proposta de embranquecer a população para que o Brasil avançasse nos planos econômico, social e civilizatório. Inacreditável!

 Ainda hoje, os podres poderes republicanos, sempre que podem, dão o ar de sua (des)graça. Acompanhemos as últimas peripécias.

 Diante da pandemia do coronavírus, era de se esperar que todos dessem sua cota de sacrifício tanto no setor privado quanto no público. Mas não foi isso que aconteceu. Um exemplo gritante foi a proposta do Partido Novo para que os recursos de R$ 2 bilhões dos Fundos Partidário e Eleitoral fossem destinados ao combate do coronavírus. Diferentemente do setor privado, que já doou 2 bilhões, valor recorde que surpreendeu inclusive à associação que monitora doações no Brasil, Rodrigo Maia, presidente da câmara, sequer colocou a proposta do Novo em votação. Malandramente, a fim de evitar constrangimentos a seus pares, impediu desse modo a revelação de seus nomes, e lhes garantiu a gorda verba.  

       Mas o congresso não parou por aí em matéria de irresponsabilidade. Rodrigo Maia, atento aos reclamos dos governadores, quer abrir as torneiras a ponto de sugerir ajuda aos governos estaduais em valor bem  acima do proposto pelo Ministério da Economia. Este não é mesquinho, apenas se preocupa com a desorganização das contas públicas e even-tual surto inflacionário que vai doer muito mais nos menos protegidos.  

Outra faceta do setor público é que ele é intocável na hora de fazer sacrifícios. Não estou me  referindo aos funcionários que estão na linha de frente dos hospitais públicos no combate ao vírus, mas à alta burocracia do serviço público. A proposta de reduzir seus salários, mesmo que por um período de alguns meses, foi descartada. Deputados e senadores fizeram ouvidos moucos. Alergia a dar bons exemplos.

O Judiciário, por sua vez, fez a mesma coisa. O STF, em decisão absurda, alguns meses atrás, nos informou, por 6 a 5, que no Brasil existem dois tipos de cidadãos: os do setor privado, que podem ser despedidos (renda zero), e os do setor público, que não podem sequer ter  redução proporcional de salário e jornada mesmo sem perder seus empregos. O brutal alívio que os estados e municípios teriam em sua capacidade de fazer o ajuste em suas contas não foi ignorado.   

Estudo técnico da FIRJAN, publicado no Globo, em 13.4.2020, mostra a insanidade da decisão apertada de 6 a 5 do STF. O exemplo do Estado do Rio reflete a situação dos demais estados. O PIB será negativo, com redução de 4,9%, em 2020, e as despesas com pessoal podem saltar de 66 para 84% de 2019 para 2020, muito acima do limite legal de 65%. Reduzir salários e jornadas proporcionalmente ajudaria para valer.    

Lewandovski, sempre ele, criou cruel insegurança jurídica ao exigir a intermediação (onerosíssima!) dos sindicatos laborais nas negociações diretas entre empregados e empregadores para redução proporcional de salários e jornadas sem dispensa. Ele abriu as portas para o desemprego em massa. Que o pleno do STF corrija essa loucura!

A grande mídia pouco fala, e por vezes se omite mesmo, a respeito dessa questão do corte de despesas no setor público. A reconstrução da economia no futuro poderá nos custar o dobro do que precisaria.   

 

Gastão Reis Rodrigues Pereira

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