Instituto Baccarelli completa 25 anos focando na formação musical e inclusão
Edileuza estava na quarta série em uma escola de Heliópolis. Foi quando começou a cantar. Aos 12 anos, veio a escolha de um instrumento. Flauta? Percussão? Nada feito. Até que um dia ela passou pelo corredor e ouviu um som diferente. Na ponta dos pés, olhou dentro da sala. O professor a viu. Ih, vou levar bronca. Foi o contrário. Você quer entrar? Edileuza conheceu o oboé. E a paixão pelo canto agora tinha uma companheira.
De lá para cá, já se vão doze anos. E quanta coisa aconteceu. Tocou em orquestras, viajou, fez turnês. Optou pelo canto. No ano passado, entrou na universidade. E, em agosto, passou a integrar o Coro Acadêmico da Osesp. Mas hoje estará de volta com os músicos da Orquestra Sinfônica Heliópolis. No Auditório Ibirapuera, fará uma participação especial no concerto que comemora os 25 anos do Instituto Baccarelli.
O projeto surgiu em 1996, quando, após um incêndio destruir parte da comunidade de Heliópolis, o maestro Silvio Baccarelli resolveu criar um projeto musical e, de alguma forma, oferecer alento aos jovens da região. Tudo começou em uma pequena garagem na Vila Mariana, com pouco mais de uma dezena de alunos. Hoje, o instituto ocupa prédio na Estrada da Lágrimas, atendendo mais de mil crianças, adolescentes e jovens; possui quatro orquestras; dezesseis corais; e vinte grupos de musicalização.
“Um projeto que luta contra a exclusão, que canaliza e potencializa o poder do coletivo, é uma forma de resistência”, diz o maestro Isaac Karabtchevsky que, desde 2009, é diretor artístico do instituto. “Fazemos música, sim, mas como uma ação comunitária. Nosso trabalho é dialogar, comunicar. É estar junto do outro.”
Não foi uma tarefa fácil durante a pandemia. Edilson Ventureli, diretor executivo do instituto, afirma, porém, que o período marcou um amadurecimento importante na instituição. Com todos os alunos e professores em casa, o Baccarelli precisou encontrar rapidamente uma maneira de seguir ensinando música, com aulas remotas. Com o apoio das famílias e professores, conseguiu. Mas o principal desafio ainda estava por vir.
“A realidade que se construía apontava para uma tragédia social na comunidade”, ele conta. “E aí a foi preciso realizar uma reflexão. Certo, trabalhamos com a música como ferramenta de transformação social. Mas, naquele momento, era preciso ajudar de outra forma também, se voltar ao atendimento social. Estar perto da comunidade, compreendendo e atendendo suas demandas, passava também por isso.”
Desde o primeiro semestre de 2020, o instituto realiza uma campanha de arrecadação e já entregou 777 toneladas de alimentos para famílias de Heliópolis, além de distribuir R$ 1,4 milhão em cartões-alimentação, para serem usados nos comércios da região, e 12 mil refeições. “Foi um momento de enorme aprendizado, de estar ainda mais próximo e com a comunidade. Isso e tudo o que aprendemos ao entrar na casa das pessoas por meio das aulas remotas, só reforçou e nos fez entender a nossa missão”, diz Ventureli.
Para Karabtchevsky, a capacidade de reação do instituto durante a pandemia serviu de exemplo da maturidade a que ela chegou nos seus 25 anos. E, para Ventureli, é hora de alçar novos voos. “Depois desses anos todos, acredito que atingimos uma maturidade como instituição e queremos colocar nossa experiência a serviço do poder público.” O instituto habilitou-se como organização social e já concorreu em editais como o que selecionou nova gestora para o Teatro Municipal de São Paulo.
O concerto, a partir das 17 horas, terá duas partes e será transmitido pela internet (a transmissão é gratuita e pode ser acessada por meio do site www.institutobaccarelli.org.br/inscricao-eventos). Na primeira, serão apresentadas obras de Stravinsky, Carlos Gomes, Bizet e o Bolero de Ravel; na segunda, se juntam à orquestra Wilson Simoninha, Criolo, Mariana Rios, Claudio Zoli. E Edileuza.
Na sua trajetória, ela chegou, a certa altura, a abandonar a música. Em 2013, ela conta, tornou-se mãe e procurou um emprego que a ajudasse com a despesas. Foi trabalhar como ascensorista em um hospital. “Mas a música me chamava de volta. Eu passava o dia no elevador, cantando para os médicos e pacientes. Eu me lembro de uma senhora de cem anos, que já não falava e pouco reagia. Sempre que ela entrava no elevador, eu cantava para ela. E era incrível como os olhos dela se iluminavam.” No final das contas, é disso que se trata. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.