Ita Móveis: onde as mercadorias e a conduta se provaram sólidas

01/11/2020 08:00

Relativo à pedra, em Petrópolis há muito o prefixo ‘ita’ deixou de ser sinônimo apenas de resistência. Na Ita Móveis, mais do que madeira, a partícula passou a descrever a sólida conduta de Antonio Sanches, que fez da loja a última da Avenida, mas a primeira em preços e, sobretudo, popularidade.

Foto: Reprodução/Youtube via Acervo César Nunes

Foto: Google Maps

Há quem confunda, no slogan da loja, o termo popularidade com qualidade, o que é compreensível, uma vez que os móveis eram, de fato, firmes como pedra. Não surpreende saber, portanto, que a logomarca da empresa era, justamente, representada por um homem do tempo das cavernas. 

E por mais que a construção da marca fizesse, ainda que de forma sutil, referências ao passado com menções à pré-história, seu criador, Antonio Sanches, era um empreendedor com a cabeça no futuro. Dotado de um espírito publicitário sem igual, fez com que a arte de vender fosse dividida em pré e pós-Sanches.

Aos 66 anos, Angela Sanches, sobrinha de Antonio, recorda os sorteios e ações publicitárias promovidas pelo tio e que movimentavam a cidade. “Ele uma vez trouxe um circo que fez até desfile na Avenida. Ele era muito atuante e gostava desse movimento todo. Chegaram a querer colocá-lo como prefeito, mas ele caiu fora”.

Íntegro e justo, Angela explica que, numa época em que ainda não existiam sistemas de financiamento como os de hoje, o tio estruturava os próprios carnês de forma a atender os mais e menos afortunados. Ela lembra com humor, ainda, de um episódio vivido pelo tio durante a ditadura por conta de sua postura.

“Toda vez que fiscalizavam a casa de alguém de esquerda, encontravam um carnê da loja do meu tio. Acharam que ele estivesse engajado com alguma coisa”. Chegando a ser investigado pelos militares, Sanches não fazia parte de nenhuma conspiração. Sua única trama era em prol da qualidade em tudo que se dispunha a fazer.

Foto: Arquivo pessoal José Roberto Sanches

Para José Roberto Sanches, de 75 anos, filho de Antonio, nos negócios ou na família, o pai foi mais do que bem-sucedido e construiu um império, ora de vendas, ora de afeto. “Meu pai foi sempre maravilhoso. Trabalhei com ele desde os 11 e me lembro que ele às vezes vendia mil geladeiras em um mês. Chegamos a ter uma filial em Teresópolis também”.

Zeca recorda, ainda, os irresistíveis sorteios promovidos pela loja, como a vez em que um cliente levou para casa um fusca 0 km após adquirir uma geladeira e ganhar uma rifa. “Era uma firma muito grande que ia do número 1.137 ao 1.145 da Rua do Imperador e que, além de móveis, vendia eletrodomésticos. Minha irmã Léa também chegou a trabalhar lá”.

Fundador, mais tarde, da Itacar Veículos, loja de automóveis no mesmo endereço da Ita Móveis, foi a vez, então, de José Roberto trabalhar junto do filho, Rafael Gomes Sanches, de 42 anos. Assim, saíram os móveis, entraram os carros e, entre quatro paredes, permaneceram vivas as lembranças do negócio anterior.

Para Rafael, enquanto que, para o pai, a estrutura era o suficiente para fazê-lo recordar o passado, em seu caso, se deparar com propagandas, ex-clientes e documentações antigas era o que o fazia imaginar e visualizar as conquistas de que o avô e a avó Elza tanto comentavam com ele. 

Na imagem aparecem Antonio e o neto Rafael. Foto: Arquivo pessoal Rafael Gomes Sanches

“Muitos ex-clientes comentavam comigo sobre o jeito especial do meu avô na hora de negociar na Ita Móveis. Eles, até hoje, têm um carinho grande pelo tratamento dele”. De raízes humildes, Rafael fala sobre o caminho percorrido pelo avô, que de marceneiro foi capaz de fundar a própria loja e alterar o desfecho da própria história.

“Além de marceneiro, meu avô comprava carros usados e os reformava. Foi a partir dessas vendas que ele começou a adquirir patrimônio, a comprar o terreno da Ita Móveis”. Descrito por Rafael como uma pessoa de caráter exemplar, Antonio Sanches é motivo de orgulho para o neto, que diz ter obtido com ele grande parte da base necessária para sua formação. 

“Meu avô sempre me passou uma idoneidade muito boa. Tenho muito orgulho em saber que ele fez parte da história da cidade”. Admiração sentida também no discurso de Marise Felix de Souza, de 64 anos. Sobrinha do ex-vendedor da Ita Móveis, Mário França, ela revive as vezes em que foi até a loja ‘pedir benção’ ao tio.

“Meu tio era bem moreno, tinha a cabeça branca e o bigode fininho. Era alto, simpático, e estava sempre na porta com a caneta pendurada na orelha e o caderninho de vendas no bolso”. Sem quem dele não gostasse, Marise recapitula suas andanças pela loja, que normalmente terminavam em pirulito.

“Lembro de chegar lá, brincar em volta dos móveis e esperar o tio Mário me trazer pirulito. Ele trabalhou na loja por muitos anos”. Onde, no passado, até sirenes chegaram a ser usadas como parte das ações publicitárias de Sanches para chamar a atenção do público na loja, a Ita Móveis provou, contudo, que é na conduta que está o maior chamariz.

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