James Caan lembra a aventura de filmar ‘O Poderoso Chefão’
Em 1972, James Caan já tinha quase dez anos de carreira – iniciada com um papel sem crédito em Irma la Douce, de Billy Wilder – e personagens importantes em filmes de grandes diretores como Howard Hawks (El Dorado) e o jovem Francis Ford Coppola. Justamente ele. Com Coppola havia feito Caminhos Mal Traçados/Rain People, um road movie em que dividia a cena com Shirley Knight e Robert Duvall. Fazia Jimmy, um personagem instável. O filme sombrio, e muito bom, é considerado o vestibular do diretor para o seu épico de gângsteres, O Poderoso Chefão, com roteiro dele e de Mario Puzo, autor do romance original, The Godfather.
Na composição do elenco, Coppola chamou James Caan para outro personagem instável, mas de recorte diferente – Santino, também chamado de Sonny. Robert Duvall também foi convocado para o papel do conselheiro, Tom Hagen. Eram todos jovens e talentosos. Quando o filme estreou, arrebatando os Oscars de melhor filme, roteiro adaptado e ator (Marlon Brando), o impacto foi grande. “Brando estava numa fase de baixa, era considerado decadente, mas sua criação como Don Vito foi tão espetacular que, imediatamente, ele se tornou de novo o nome mais quente da indústria. Um ator do Método. Foi a inspiração para todos nós. Leo(nardo DiCaprio), Johnny (Depp), que até dirigiu um filme com ele, eu e muitos outros.”
Seu nome completo é James Langston Edmund Caan, natural de Nova York, onde nasceu em 1940 – há 82 anos. Tornou-se conhecido somente como James Caan. Conversa pelo Zoom com o Estadão, mas, para desapontamento do repórter, a entrevista é só por áudio, sem imagem. Seria bom rever Sonny, 50 anos depois. Para comemorar o cinquentenário, O Poderoso Chefão está voltando às salas de cinema brasileiras nesta quinta, 24. A cópia está estalando de nova e permitirá que toda uma geração que só conhece O Poderoso Chefão do home video e da televisão possa ver o clássico na tela grande.
MONUMENTO
Não é só um filme, é um monumento de cinema. Como é? “A monument.” “Ah sim, mas há 50 anos ninguém sabia disso. O que sabíamos é que estávamos fazendo um bom filme, reunindo grandes talentos da época.” Música, fotografia, direção de arte, interpretação. Tudo e todos a serviço de uma prodigiosa lição de cinema narrativo. Cinéfilo de carteirinha sabe, mas não custa lembrar um pouco da história. Começa na festa de casamento da filha do Don/Brando. Rapidamente, as cenas mostram a estrutura familiar e a da organização criminosa que Don Vito Corleone controla. Mas ele está velho, quer impor limites à difusão das drogas. Sofre um atentado. No interior da família, digladiam-se duas formas de enfrentar a situação. A impulsividade de Sonny e a visão mais distanciada, fria, de Michael – Al Pacino.
Michael fora destinado pelo pai para ser o orgulho da família. É herói de guerra, não participa dos negócios. Não participava, porque agora ele é que vai comandar a reação. O filme que começa com um casamento encerra-se com um batizado. O cerimonial na igreja é mostrado em paralelo com o banho de sangue que os sicários de Michael Corleone promovem para consolidar o poder dos Corleone. “O filme é sobre crime, mas Mario (Puzo) e Francis (Coppola) preferiam ver a história como sendo de família, e foi assim que o filme foi construído.”
Caan lembra-se do clima nas filmagens. “Francis havia estudado o cinema de gângsteres. Mario e ele escreveram o roteiro pensando nos códigos de gênero e nas cenas que pretendiam emular. A Nova Hollywood estava nascendo, mas não tínhamos consciência disso. Do ponto de vista do estúdio – a Paramount -, o filme foi planejado para ser um grande sucesso. Superou toda expectativa. Para nós, os jovens, era como um sonho. Estar ali, contracenando com Brando.”
“Desde o começo, os diretores e roteiristas criavam para mim papéis de durões e heróis. Francis me levava por outro caminho. Santino aprofunda a linha mais escura do Jimmy de Caminhos Mal Traçados. Jimmy é mais puro, especial. É atingido pela violência do mundo. Santino é o agente dessa violência. Vive e morre por ela. É impulsivo, ardente. Num filme sobre família, ele é o cara mulherengo que se satisfaz fora do casamento. O pai vive perguntando pela mulher e os filhos. Ele diz que tudo bem, mas é tudo bem ao jeito dele.” Dois anos depois, O Poderoso Chefão – Segunda Parte prosseguiu com a saga dos Corleone em dois tempos, contando como o jovem Don Vito, interpretado por Robert De Niro, chegou ao topo da Máfia e, em paralelo, o outro banho de sangue que Michael vai promover, para consolidar seu poder.
TRAMA
Sangue e violência são ingredientes da trama, mas o tema do primeiro filme é político – a luta pelo poder numa democracia étnica. “Como Santino voltei numa participação sem crédito no segundo filme. Ainda fiz Jardins de Pedra com Francis, sobre a Guerra do Vietnã. Sonny abriu um mundo de possibilidades para mim. Sem ele, não sei se teria feito O Jogador/The Gambler (de Karel Reisz, 1974), que foi um de meus melhores papéis. Intenso, sombrio.”
Francis? “Oh, ele foi crescendo. Virou uma lenda nesse negócio. Mas ainda me lembro de nós, naquela estrada – Caminhos Mal Traçados -, que foi o começo de tudo.” Haveria muito para conversar com James Caan. O escritor de Misery, à mercê da Louca Obsessão – título brasileiro – da enfermeira Kathy Bates no suspense de Rob Reiner, o patriarca de Dogville, de Lars Von Trier. Depois da anunciada última pergunta, o repórter arrisca. Mais uma? “Shoot”, diz.
É Sobre Cinderella Liberty/Licença para Amar Até Meia-Noite, que fez em 1973, logo após o primeiro Chefão. O filme é sobre um marinheiro em terra firme. Baggs Jr. envolve-se com a prostituta vivida por Marsha Mason, que ganhou no jogo, numa noite de bebedeira. A licença de Baggs lhe permite ficar com ela só até a meia-noite. É a liberdade de Cinderela, do título. Mark Rydell é o diretor.
“Marsha era e continua sendo uma lady.” Naquele mesmo ano, ela se casou com o dramaturgo Neil Simon, que escreveu belos papéis para ela. Os críticos, em geral, colocam o romântico Cinderella Liberty entre os seus melhores filmes. Ele concorda. “Interpretei aquele marinheiro como se fosse o meu Billy Budd, entende?” Com certeza – Herman Melville, o marinheiro belo e puro acusado de incitar um motim. A inocência corrompida pelo poder das palavras. Há um pouco disso no Michael de O Poderoso Chefão.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.