Joaquim Silva e Luna: ‘A Petrobras não pode fazer política pública’
Na presidência da Petrobras há nove meses, o general Joaquim Silva e Luna chegou ao posto por indicação do presidente Jair Bolsonaro, incomodado com os reajustes de combustíveis na gestão anterior. O desconforto presidencial com os aumentos, porém, ainda gera ruídos. Para Silva e Luna, o problema é a tese de que os preços dos combustíveis possam ser administrados pelo governo. “O que regula o preço é o mercado”, afirmou. “Ainda há pessoas que consideram, por desinformação ou outro motivo, que a Petrobras deva ser responsável pela redução de preço. Ela não tem condições de fazer isso.” Nesta entrevista ao Estadão/Broadcast, ele aponta um desconhecimento geral em relação à Petrobras, que, frisou, “não pode fazer política pública”. A seguir, os principais trechos:
O sr. já falou sobre o desconhecimento sobre a Petrobras como empresa de economia mista (estatal e de capital aberto). Mudou?
Mudou, mas ainda há muito desconhecimento. Ainda há pessoas que pensam que taxar o preço dos combustíveis resolve. A gente viu no que deu a experiência de países do nosso entorno que fizeram isso. O que regula o preço é o mercado, particularmente quando se trata de commodities. Essa percepção, nos níveis de decisão, acho que está consolidada. No nível de governo, dos três Poderes, isso já está bem consolidado. Pode ser que a sociedade ainda não tenha compreendido. Temos feito alguns vídeos no sentido de informar, mostrar que não é só a Petrobras, tem outros elementos que entram na composição do preço do combustível, os tributos federais e estaduais, os preços de revenda e distribuição, para que tenham uma compreensão maior. A contribuição da Petrobras é quando se torna uma empresa saudável e gera recursos, que repassa para a União na forma de tributos, permitindo uma maior quantidade de dividendos pagos para a União. A Petrobras tem responsabilidade social e procura cumpri-la. Mas ela não pode fazer política pública. Ela coloca recursos nas mãos de quem pode fazer.
Como sociedade de economia mista, a prioridade hoje é mais estatal ou como companhia aberta?
Ela tem de equilibrar em cima da norma, da lei. Tivemos a quebra do monopólio do petróleo, a Lei das Estatais e a Lei das Sociedades Anônimas, que diz que a Petrobras tem de se comportar como empresa de mercado, privada. Até há uma saída: se o acionista controlador quiser fazer alguma ação, como aconteceu em 2018, no final do governo Temer, tem de indenizar a empresa. Ainda há pessoas que consideram, por desinformação ou outro motivo, que a Petrobras deva ser responsável pela redução de preço. Ela não tem condições de fazer isso. Em 2020, quando o (petróleo) Brent esteve bastante baixo, chegou a US$ 13 (o barril), a Petrobras teve prejuízo por três trimestres seguidos, mas teve de seguir o preço de mercado.
O sr. se surpreendeu no dilema de uma empresa que tem obrigações de mercado e, ao mesmo tempo, prestar contas ao governo?
O que surpreendeu foi perceber que a sociedade, até no nível governamental, dos Poderes, não entendia que a Petrobras não poderia fazer políticas públicas. Recebi perguntas de jornalistas se eu não tinha pena de aumentar o preço do gás quando sabia que o pobre estava queimando madeira. Respondi: “Claro que sim, aquilo que afeta a sociedade afeta a todos nós. Só que esse dinheiro é público, a empresa tem de prestar contas ao investidor”. Estamos fazendo um esforço grande para não repassar a volatilidade que se dá conjunturalmente. Quando se estrutura um novo valor, aí é que a Petrobras faz a sua mudança. A partir de agosto/setembro, chegamos a ficar 95 dias sem aumentar o preço do GNL; 85 sem aumentar preço do diesel, 54 sem aumentar preço de gasolina. Embora no período tivesse aumento quase semanal nas bombas. Fizemos um levantamento de 11 aumentos de gasolina ao longo do ano. Na bomba, foram 34! Mudanças de preço que, embora parecessem da Petrobras, nada tinham a ver com a empresa.
No ano passado, o presidente Bolsonaro chegou a dizer que haveria redução nos preços. Isso é complicado para a empresa, não?
O complicado é que, se no período tiver de haver uma mudança de preço, a gente fica passando a impressão de que houve uma informação privilegiada. Há uma série de instrumentos que permitem fazer o acompanhamento da oscilação dos preços e supor que em tal período a Petrobras possa fazer um ajuste de preços. Mas não sai da empresa nenhum tipo de informação.
A Petrobras recebeu críticas do próprio governo por dar um lucro tão alto. Como é receber essa crítica?
A Petrobras tem de ter o seu melhor desempenho. Acredito que ninguém vá querer entregar uma empresa para ser conduzida por uma equipe que não dê o melhor resultado possível. E o que a Petrobras fez foi isso. Primeiro, focou bastante no seu ativo principal, na área de exploração, produção e de refino, colocando suas refinarias no fator de utilização mais alto possível. Conseguimos ter uma produtividade alta e, por consequência, um resultado elevado. Desinvestimos alguma coisa, mas não foi grande, da ordem de R$ 6 bilhões. Logicamente, o preço do combustível tem interferência nisso. Mas é importante dizer que nada do lucro fica no cofre da Petrobras. Tem três destinos: ou novos investimentos, ou pagamento de dívida, ou pagamento de dividendos. Somente para a União pagamos dividendos de R$ 27 bilhões e, em tributos, R$ 220 bilhões, para União, Estados e municípios. Assim devolvemos o lucro à sociedade.
A Petrobras mudou sua política de remuneração. A expectativa é distribuir dividendos maiores este ano?
Essa é a nossa expectativa. E fizemos questão de deixar claro esse compromisso. Primeiro para deixar claro ao nosso acionista, ao nosso investidor, que dividendo não é um resto de caixa, não é o que sobrou. É uma responsabilidade da empresa. Ela tem responsabilidade com o investidor. E, se não estava pagando antes no valor que deveria ser pago, era porque não tinha, porque estava pagando dívida. Agora que essa dívida está num patamar saudável, o acionista pode considerar que, tendo caixa disponível depois de feito o investimento, o outro destino do recurso é pagar dividendos. Imaginamos a cada trimestre estar pagando dividendos, sim.
A produção no pré-sal será antecipada por conta da transição energética?
É isso mesmo: pode ser dita a palavra antecipar. Porque o investimento nessa área a gente sabe que leva 20, 30 anos. Não estamos começando as 15 plataformas (anunciadas para o pré-sal) agora. Oito ou nove já estão em fase de contratação para um retorno mais imediato. O grande esforço nosso é que seja uma produção com o menor custo possível, para que, mesmo que haja uma redução na valorização do petróleo, a gente possa ficar na faixa esquerda do preço.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.