Joël Dicker volta à cena do crime em novo romance

05/03/2023 08:01
Por Matheus Lopes Quirino / Estadão

O suíço Joël Dicker conhece bem a sensação do escritor best-seller que retrata em seus livros. Em 2010, com apenas 25 anos, sua prosa já se mostrava promissora, consequência de um trabalho de devoção à criação literária – filho de professor e bibliotecária, o amor pelos livros era algo natural, cresceu rodeado deles.

No mesmo ano, quando ganhou o Prêmio dos Escritores de Genebra, Dicker iniciou uma sequência de feitos e prêmios literários. Seu primeiro romance, Os Últimos Dias de Nossos Pais, ambientado na 2ª Guerra Mundial, foi lançado em 2012 e o projetou na Suíça. O elemento principal de sua literatura já estava presente naquela primeira trama com pé na história recente da França (país que conheceu bem como estudante): as entranhas de uma investigação. Ao contar o caso de um esquadrão britânico que treinava a Resistência francesa, caiu nas graças do público pela prosa chiclete que envolveu seus personagens, espiões.

Mas foi com A Verdade Sobre o Caso Harry Quebert, lançado apenas oito meses após o primeiro romance, que Dicker conheceu a fama. A trama policial conta a história do escritor Marcus Goldman, que vive um bloqueio criativo, e Harry Quebert, seu professor da faculdade, acusado de assassinato.

Goldman, no auge da carreira, está com a faca no pescoço para escrever o próximo livro. Com a pressão da editora para a entrega do manuscrito, ele viaja até a pequena cidade de Aurora, no Estado americano de New Hampshire, para se aconselhar com o mestre – e acaba esbarrando no cadáver de Nola, jovem que viveu um romance secreto com Quebert na década de 1970. Junto ao corpo, um original do que viria a ser o romance aclamado de Quebert. A dúvida, então, é lançada na cabeça do homem que busca inspiração e, evidentemente, a encontra de um jeito escabroso.

Já no início do novo romance O Caso Alaska Sanders (Intrínseca), Dicker/Goldman volta à história que o consagrou, seu segundo livro, para falar sobre os desdobramentos de sua primeira investigação: “O caso me afetou profundamente. Harry tinha sido meu professor na faculdade e, mais do que isso, era meu amigo mais próximo na época. Eu não acreditava que ele pudesse ser o culpado. Sozinho contra tudo e todos, percorri New Hampshire de cabo a rabo para conduzir uma investigação por conta própria. E, se ao fim consegui provar a inocência de Harry, os segredos que descobri a respeito dele destruíram nossa amizade. A partir dessa investigação, escrevi um livro”.

A obsessão por um feito incrível na literatura e os esforços para alcançá-lo guiam os protagonistas dos dois livros. No romance sobre a jovem Alaska Sanders, Dicker envolve o leitor em um crime, com uma estrutura parecida com o romance que o projetou. Para abrir a história, ele evoca uma cena cinematográfica, com o impacto semelhante ao da jovem Laura Palmer embrulhada em saco plástico à beira de um rio, na cidade fictícia criada pelo cineasta David Lynch, Twin Peaks. Contudo, se Lynch ousou ao flertar com o onírico e o místico, Dicker percorre o terreno movediço da boa e velha (e, por vezes, desgastada) ficção policial. Pode cansar quem devorou o caso de Harry Quebert, mas segura o leitor até o fim.

E por falar em cinema e imagem, um parêntese: A Verdade Sobre o Caso Harry Quebert se tornou série em 2018, com os atores Patrick Dempsey e Ben Schnetzer. Evidentemente, por causa do sucesso do livro, que já nas negociações preliminares, em sua estreia na Feira de Frankfurt de 2012, o autor conseguiu contratos com vários países. Hoje, a história de Marcus Goldman já foi traduzida para 32 idiomas. Confira a entrevista que o autor concedeu ao Estadão sobre a continuação dos trabalhos de Goldman.

No primeiro livro (A Verdade Sobre o Caso Harry Quebert), a história apresenta o escritor Marcus Goldman em um bloqueio criativo. Como um escritor enfrenta uma situação dessas? O que você costuma fazer?

É uma boa pergunta, porque nunca enfrentei um bloqueio como esse que Marcus enfrenta: uma seca em seu cérebro, sendo ele incapaz de ter uma única ideia. Não tenho esse problema, pois sempre tenho muitas ideias. Minha questão é mais sobre como tratar essas ideias, e é nessa parte que posso encontrar dificuldades. Mas estou bem com isso porque é um “bom problema” para se ter como autor. Quando isso acontece, apenas tento respirar e me distanciar um pouco da ideia inicial, penso em outras coisas para além da minha história. Depois disso, geralmente tudo acontece.

O que você traz de novo a seus personagens consagrados que estão de volta?

Primeiro, é bom dizer que é muito desafiador recomeçar com personagens que já existem, pois você precisa ir até as raízes do livro anterior e se certificar de que ainda está conectado com um personagem que criou anos atrás. Só assim é possível trabalhar com esses personagens. Quando isso acontece, você percebe imediatamente se a história vai funcionar ou não. Porque você vai sentir rapidamente se não funcionar. Se não acontecer, você tem de esquecer o projeto. Do contrário, você só precisa confiar no processo de escrita.

Você escreveu O Livro dos Baltimore sobre a vida de Marcus Goldman, para tentar desvencilhar-se do título de escritor de um só gênero? Como não se acomodar na literatura? Por que a volta ao romance policial?

Porque eu amo o dueto entre Marcus e Perry Gahalowood, o policial. E por 10 anos, depois do primeiro livro, sobre Harry Quebert, eu realmente queria que os dois personagens se reunissem novamente. Então é por isso. É mais sobre essa reunião do que voltar a um romance policial.

O primeiro livro virou série. O cinema aproveita-se de sucessos literários. Como você enxerga o diálogo de suas histórias com as produções audiovisuais?

A principal diferença é o leitor ou o espectador. Como leitor, você ocupa um lugar importante na existência da história. Porque você é um criador, é você quem faz a história acontecer e existir. Já a série de TV, ou mesmo um filme, está em total oposição a isso: o espectador está em um estado de total passividade. O filme existe sem o espectador. É por isso que sempre considero que um livro é uma experiência muito mais forte do que uma série de TV ou um filme.

Por que histórias envolvendo crimes (tanto na ficção, quanto na realidade) atraem tanto as pessoas? Há um componente de sadismo no ser humano?

Não, não acho que é sobre sadismo. A maioria de nós não gosta de violência e sadismo, embora estejamos sempre ansiosos por uma boa história de detetive. Essa predileção diz sobre a nossa própria curiosidade. Queremos entender. Queremos saber o que aconteceu (em uma história policial). Portanto, uma história de detetive não é sobre o crime, é sobre a causa do crime, as motivações, a mente. Uma história de crime é, na verdade, uma história sobre as pessoas envolvidas.

Você pretende expandir o universo de Goldman depois de O Caso Alaska Sanders?

Sinceramente, não sei. Meu plano inicial era fazer três livros, então sinto que terminei. Por outro lado, como posso prometer agora que nunca mais usarei o personagem de Marcus Goldman?

A crítica pode se distanciar do grande público que consome best-sellers, romances policiais, biografias, etc. Você acha que, ainda hoje, os críticos se pautam muito por obras de vanguarda?

Essa é difícil de responder. No meu caso, recebi um prêmio da academia literária e boas críticas. Acho que qualquer livro que vende muito atrai críticos. Você tem de aceitar e viver com isso. Mas nunca esqueça que o melhor prêmio é ter tantos leitores entusiasmados em toda parte. Pessoalmente, não dou atenção a todas as críticas, porque não é bom estar sempre a par de tudo. Isso pode ser ruim, porque pode tirar você do foco que se precisa para escrever e criar.

O Caso Alaska Sanders

Autor: Joël Dicker

Tr.: Debora Fleck e Maria de Fátima O. do Couto

Editora: Intrínseca

512 págs., R$ 89,90

R$ 62,90 (E-book)

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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