Junto ao narcotráfico, o medo silencioso de cada um

23/10/2022 10:00
Por Mariane Morisawa, especial para AE / Estadão

As guerras do narcotráfico no México, com suas dezenas de milhares de mortos e outras dezenas de milhares de desaparecidos, já foram tema de diversos filmes e séries. É um assunto quase obrigatório quando se é mexicano, contou ao Estadão Natalia López Gallardo, diretora do filme Manto de Joias, que ganhou o prêmio do júri em Berlim e é exibido na 46.ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, com sessões no domingo, 23, e segunda, 24. “É uma tragédia que construímos por anos”, destacou. “Tornou-se inevitável porque caminhamos passo a passo para chegar a esse ponto. A culpa não é fácil de estabelecer, foram muitos elementos para que isso acontecesse.”

Mas, desde o princípio, López Gallardo, que estreia na direção de longas depois de montar filmes de Carlos Reygadas e Lisandro Alonso, não queria fazer uma obra sobre o narcotráfico ou a violência ou os desaparecidos. “Eu parti desse pequeno espaço de onde percebo a vida. É um ponto de vista particular e pequeno de um panorama muito maior e mais complexo”, afirmou. “Queria abordar a questão a partir de um sentido psicológico. Acredito que todos os mexicanos têm algo como uma ferida espiritual dentro de si. E você pode perceber isso ou não, pode ser algo inconsciente, mas está dentro de cada um depois de anos e anos de experimentar a violência, assistir a imagens e ver os rostos de pessoas que sumiram.”

MEDO. Há uma sensação de ameaça e de terror que perpassa todo o filme. “Eu acredito no cinema como uma experiência corpórea”, disse a cineasta. “Eu queria criar algo, por meio do som e da imagem, que penetrasse no espectador. Uma atmosfera em que desse para sentir o abandono e o medo.” Até os diálogos refletem isso, porque quem tem pavor não diz o que pensa. Normalmente, faz de tudo para esconder o que está realmente com vontade de falar.

Manto de Joias é centrado em três mulheres. Isabel (Nailea Norvind) acaba de se divorciar e vai com os filhos para a casa de campo da família, que estava meio abandonada. A funcionária da casa María (Antonia Olivares) está lidando com o desaparecimento da irmã. Isabel resolve ajudá-la. A chefe de polícia Roberta (Ainda Roa), encarregada de investigar o caso, tenta tirar seu filho da influência do cartel. As personagens se relacionam, mas não há exatamente uma historinha com começo, meio e fim.

Natalia López Gallardo baseou-se em seus próprios sentimentos – de quem vive em uma pequena vila do interior. Muitas das histórias que aparecem no filme surgiram no processo de escalação do elenco com pessoas locais, que durou um ano. Manto de Joias reflete como a violência vai se instalando e sendo normalizada, mesmo em famílias estruturadas, com pessoas cristãs.

“Há uma fronteira muito difusa entre ser uma vítima e ser um perpetrador ativo do problema, porque todos estão inseridos em um sistema de tal forma que a cada passo cada um pode estar de um lado ou do outro”, argumentou a cineasta. “E se você não fizer nada, também está participando. Muitas vezes somos espectadores estáticos de um mundo em chamas.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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