Lee ‘Scratch’ Perry, lenda do reggae e dub, morre aos 85 anos

29/08/2021 16:11
Por André Carlos Zorzi / Estadão

Lee ‘Scratch’ Perry, um dos pais do gênero dub e figura histórica da música reggae jamaicana, morreu neste domingo, 29, aos 85 anos de idade. Trabalhou com nomes importantes ao longo das décadas, como Bob Marley, Peter Tosh, Bunny Wailer, The Congos, Max Romeo, Prince Buster, Robbie Shakespeare e Sly Dunbar, além de sua banda, The Upsetters.

A morte foi confirmada por Andrew Holness, atual primeiro-ministro da Jamaica. “Sem dúvidas, Lee ‘Scratch’ Perry será sempre lembrado por sua grande contribuição à fraternidade musical. Que sua alma descanse em paz”, escreveu.

Segundo o jornal Jamaica Observer, Perry morreu no Hospital Noel Holmes, em Lucea, ao noroeste do país.

Nascido em Kendal, região rural e canavieira da Jamaica, em 1936 (o país só conquistou oficialmente sua independência do Reino Unido em 1962), abandonou a escola quando tinha por volta de 15 anos e encontrou seu rumo no mundo da música.

Nos anos 1960 e 1970, produziu obras de inúmeros músicos de reggae no Black Ark, seu estúdio em Kingston. Lá, também fazia remixes adicionando efeitos como ecos, recortes e distorções em materiais já produzidos, misturando diferentes artistas, se tornando uma das figuras mais importantes do gênero dub, assim como King Tubby (que morreu em 1989).

Em abril de 2007, Lee ‘Scratch’ Perry esteve no Brasil para um histórico show no Via Funchal, e assim foi descrito em texto publicado pelo jornal O Estado de S. Paulo: “Ele em si é um espetáculo, como se misturasse inúmeras personas conhecidas: é uma espécie de Chacrinha com seus chapéus anéis, pulseiras, colares e penduricalhos e as palavras de ordem repetidas como mantras na voz ardida; é um Profeta Gentileza rastafari pregando a paz universal, com referências à África-mãe nos símbolos da Etiópia aqui e ali.”

Em agosto de 2002, aos 66 anos, se apresentaria pela primeira vez no País, no festival Dub Mamute, no Sesc Pompeia. De última hora, porém, não embarcou no avião e sua participação foi cancelada.

Dias antes, porém, deu uma entrevista à Folha de S.Paulo em que revelava um pouco mais sobre sua exótica forma de ver o mundo. “O dub é o que eu consigo fazer com três músicos no palco. O dub são as batidas do meu coração. O meu cérebro é o baixo. Isso é dub. Eu faço o original. O que fazem hoje na Jamaica é falso. Não tenho o mesmo sangue dos jamaicanos, tenho sangue de anjo”, refletia sobre o gênero.

Já em relação ao “Scratch” de seu nome, referência ao efeito sonoro, explicava: “É mais do que um apelido. É parte da minha verdade. Conheço o scratch desde o começo. O scratch é formado por sete letras, que representam os sete dias da semana.”

Questionado sobre os comentários de que King Tubby, outro pioneiro dub, seria o criador do gênero, ficava bravo: “Não sei quem é esse tal de Tubby. Nunca ouvi falar nesse homem. Não gosto de ladrões e nem de mentirosos. Quem é ladrão ou mentiroso eu digo que não conheço… Entendeu?”

Não foi seu único desafeto. À revista Rolling Stone, em 2010, Bunny Wailer, último membro da formação original dos Wailers, criticava o produtor: “Lee Perry não fez nada pelos Wailers. Ele apenas sentava no estúdio enquanto nós tocávamos nossa música, e então ele ferrou com a gente. Nós nunca vimos um centavo daqueles álbuns que fizemos com ele. Gravações que outras pessoas fizeram milhões. A ignorância de Lee Perry nos custou um monte de dinheiro, e eu nunca o perdoei”. Sobre as acusações, Lee respondeu apenas: “Eu prefiro não falar sobre Bunny Wailer. Ele é uma pessoa miserável.”

Fora de seu país natal, chegou a morar na Europa, estabelecendo-se por anos na Suíça. “Estava ficando dependente dos meus amigos jamaicanos. Tão viciado nos produtores e nos DJs de lá que já não sabia mais quem eu era musicalmente. Cansei das mentiras deles. Por que ficar lá se estava morrendo? Sou alérgico a energia ruim. É porque eles [jamaicanos] roubaram minhas fitas e não sabiam apreciar minha música. Quando comecei a fazer punk reggae, ninguém achou bom na Jamaica. Quando mostrei esse gênero no Reino Unido, me acharam Deus. Nem existia Bob Marley quando eu apareci”, justificava, à Folha de S.Paulo, sobre a saída da ilha.

Por fim, Lee ‘Scratch’ Perry confirmava a história de que ateou fogo ao seu próprio estúdio em Kingston – “Sim. E não fiz outro porque não quero ajudar a Jamaica” – e também a lenda de que tinha o costume de enterrar suas fitas musicais para supostamente “captar energia positiva” – “Claro que sim. Se você dá para a terra o que é bom, ela te devolve o que é bom. Como você acha que me torneio produtor? Adoro fazer experimentações.”

Lee ‘Scratch’ Perry ultrapassou barreiras musicais ao trabalhar com grandes nomes de outros gêneros, como Keith Richards (guitarrista dos Rolling Stones), Beastie Boys e a banda The Clash.

Em entrevista publicada no jornal O Estado de S. Paulo em 6 de junho de 1998, Adam Yauch, do Beastie Boys, afirmava: “Perry é um músico impressionante. Apareceu no estúdio com algumas letras escritas, escutou o que estávamos fazendo e começou a improvisar. A coisa mais impressionante é que tudo que vem de Lee Perry é naturalmente musical, com estrutura própria.”

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