Lei afrouxa licenciamento para silvicultura e preocupa especialistas

09/jun 08:00
Por Jorge Barbosa / Estadão

Especialistas mostram preocupação com a lei recém-aprovada que retira a silvicultura (plantio de árvores para fins comerciais, principalmente eucalipto e pinus) do rol de atividades poluidoras e utilizadoras de recursos ambientais. Eles apontam riscos voltados para a redução grave da capacidade de fiscalização e controle do poder público sobre más condutas de empresas que realizam a plantação das florestas, o que favorece, principalmente, o setor de celulose e papel. Representantes da indústria, por outro lado, veem a medida como uma conquista voltada para a “desburocratização” e que deverá destravar investimentos.

Aprovada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na última sexta-feira, 31, o principal ponto referente à Lei 14.876 diz respeito à alteração de um dispositivo da Política Nacional do Meio Ambiente que reconhecia a silvicultura como uma atividade de médio risco ao meio ambiente.

Com a mudança nas regras, empresas que realizam o plantio de eucalipto e pinus para fins comerciais – como o caso de produtoras de celulose, papel, painéis de madeiras, siderúrgicas, entre outras – deixam de ser obrigadas a apresentar o EIA/Rima (Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental, respectivamente), classificado como parte vital dos documentos enviados pelas empresas para o licenciamento ambiental.

O objetivo do EIA/Rima consiste em expor de forma detalhada os impactos que determinada atividade pode provocar ao meio ambiente, além de colocar de forma exata as ações que as empresas pretendem realizar com foco em mitigar os danos provocados ao meio ambiente.

Segundo a presidente da Federação Nacional das Associações de Engenharia Ambiental e Sanitária (Fneas), Tatiana Pinheiro, o licenciamento sem o EIA/Rima deverá se traduzir na fragilização das comunidades vizinhas, além da fauna e flora que estão envolvidos na atividade comercial. “Não haverá um documento que orienta para o que será feito em termos de mitigação. É importante dizer que o estudo é solicitado quando o impacto não é local. Sem conhecimento sobre a área de influência direta da atividade, há um risco altíssimo de prejuízo ao licenciamento ambiental”, afirmou.

A gestora ambiental e professora da Universidade Federal do Ceará no município de Crateús (UFC/Crateús) com atuação na área de avaliação de impactos ambientais, Luana Viana, menciona que é comum as empresas se queixarem de demora no processo de licenciamento ambiental. O caminho para a maior celeridade, contudo, não ocorre por meio da exclusão de estudos e entrega de documentos relevantes, mas sim a partir da melhoria das atividades nos órgãos públicos, que pode ser feita por meio da contratação de mais servidores e investimentos voltados para melhoria dos processos operacionais.

Outro ponto destacado pela especialista é que o EIA/Rima pode demorar de meses a anos a depender do empreendimento, além de não ser incomum a reprovação de alguns projetos. Por isso, muitas empresas se incomodam em desenvolver o estudo, mas a importância dele é fundamental. Sem ele, “o governo fica sem subsídio para fazer a fiscalização”, afirmou Luana.

Procurado pelo Broadcast (sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado) na sexta-feira, 31, o Ministério do Meio Ambiente informou que o Ibama posicionou-se contrário ao PL em nota técnica do dia 9 de abril de 2024. “As alegações de burocracia excessiva e desincentivo não seriam solucionadas pelo PL, que apenas diminuiria a arrecadação de taxas de controle e fiscalização ambiental da União, do Distrito Federal, de estados e municípios”, afirmou em nota o ministério.

A Associação Brasileira de Membros do Ministério Público (Ambrapa) também emitiu nota informando que há uma “flagrante inconstitucionalidade” no PL. A entidade destaca pontos como o risco de retrocesso ambiental e redução da capacidade de ação do Estado para prevenir danos ao meio ambiente.

Outro lado

A retirada da silvicultura das regras que exigem o EIA/Rima começou a ser discutida no Congresso em 2015, após proposição do então senador Álvaro Dias (Podemos). O argumento dos defensores da legislação era a de que a silvicultura é uma atividade agrícola sustentável e benéfica ao meio ambiente, portanto, não é justificável a inclusão da atividade na lista de ações poluidoras, submetendo as ações a um processo de licenciamento ambiental burocrático e dispendioso.

O presidente da Indústria Brasileira da Árvore (Ibá) e ex-governador do Espírito Santo, Paulo Hartung, acompanha o entendimento. Para o executivo, houve um “equívoco” na época da elaboração da Política Nacional do Meio Ambiente em incluir a atividade no rol de atividades poluidoras, visto que o plantio de eucalipto e pinus sequestram carbono do meio ambiente, além do setor florestal já adotar técnicas de manejo exigidas pelo padrão da Forest Stewardship Council (FSC, ou Conselho de Manejo Florestal, em português) que intercalam o plantio comercial junto com a expansão de áreas de preservação.

“A silvicultura foi colocada em uma lista de setores potencialmente poluentes, junto com a mineração, construção civil, grandes barragens, assim por diante. Isso é algo que soa estranho”, afirmou Hartung, defendendo que o plantio de eucalipto e pinus ocorrem em áreas degradadas desde 1994, o que significa que as áreas nativas não são afetadas. Na verdade, elas ficam mais protegidas e são ampliadas, de acordo com o presidente da Ibá.

Segundo o executivo, o setor de celulose no Brasil detém cerca de 17 milhões de hectares, dos quais quase 7 milhões são voltados para a preservação ambiental, o equivalente a uma área maior do que o estado do Rio de Janeiro. O avanço da silvicultura por meio da desburocratização poderá expandir as regiões preservadas, e o processo poderia ser ainda mais fortalecido com o avanço na regulamentação do mercado de carbono, comentou Hartung.

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