Lei que autoriza mais barulho em shows vira polêmica em SP
Há um ruído entre os promotores de shows e festivais de música e o poder público da cidade de São Paulo. Qual o limite para o barulho gerado pelas apresentações musicais dos locais e arenas abertas? Cada vez mais frequentes, esses shows ao ar livre atraem grande público – e ganharam força no pós-pandemia, escoando uma demanda que estava reprimida.
Parte interessada nessa discussão, os moradores da cidade, ao que indicam os números, passaram a tolerar cada vez menos ruídos – os sonoros. De acordo com a Prefeitura paulistana, as reclamações dobraram nos últimos dois anos. No ano passado, até setembro foram 13.547.
Recentemente, uma votação na Câmara Municipal alterou o limite dos atuais 55 decibéis para 85 em shows e grandes eventos. O prefeito Ricardo Nunes sancionou a lei, mas com tolerância de até 75 decibéis. Para a Organização Mundial de Saúde, o tolerável ao ouvido humano são 65 decibéis. Além disso, há o risco de doenças, estresse e, em casos mais graves, perda auditiva.
Dias depois, acatando um pedido da bancada do PSOL, a Justiça de São Paulo suspendeu a mudança. A alegação dos vereadores do partido é a de que o artigo não guarda pertinência temática com o objeto da proposta original – ele fora votado dentro de uma lei que regulamenta o funcionamento das dark Kitchens.
ALINHADOS. Os limites da lei atual estão alinhados com os praticados em outros países. Em Nova York, as músicas de bares e restaurantes não podem chegar a mais de 42 decibéis dentro de residências próximas. Em Portugal, uma norma nacional recomenda que eles fiquem entre 55 e 65 decibéis. Na Argentina, o limite noturno é de 45. Por aqui, os promotores de shows ouvidos pelo Estadão consideram o atual limite, de 55 decibéis, das 19h às 22h, impraticável.
“A cidade precisa decidir o que quer. São Paulo está no grande calendário global de shows e tem uma lei obsoleta. A questão não é permitir barulho madrugada adentro, mas é preciso bom senso em horários razoáveis”, pondera Anna Luiza Fonseca, CEO da Íntheggra, consultora de Relações Institucionais e Governamentais.
Anna Luiza chama atenção para um mercado aquecido para 2023. O The Town, promovido pela mesma empresa do Rock in Rio, promete ser tão grandioso quanto o festival carioca. O espanhol Primavera Sound, estreante por aqui em 2022, já confirmou a segunda edição em 2024. O Lollapalooza Brasil trará nomes como Drake, Billie Eilish e Rosalía. Fora dos festivais, haverá shows das bandas Coldplay, Paramore, Backstreet Boys e Titãs, entre outras.
“Esses eventos trazem visibilidade e movimentam a economia da cidade. São Paulo corre risco de perder esses eventos para cidades vizinhas, como São Caetano, São Bernardo e até Campinas”, analisa Anna Luiza. Segundo dados da São Paulo Turismo (SPTuris), a edição de 2002 do Lollapalooza movimentou aproximadamente R$ 687 milhões.
FARRAIAL. Um fato emblemático sobre ruídos ocorreu em agosto de 2022, durante o Farraial, na Arena Anhembi. A cantora Ludmilla, que abriria o show, deixou o palco alegando problemas técnicos. Os empresários Juliano Libman e Luiz Restiffe, da Agência InHaus, alegam que a lei sobre ruído prejudicou o programa. O grave, característico da batida do funk, ficou dentro dos 65 decibéis. A artista não gostou.
“Essa lei sempre existiu, mas não era aplicada. Quando começou a valer, todo mundo entendeu que é impossível cumpri-la. O limite em 55 ou 65 decibéis é muito baixo, você não consegue realizar um show”, diz Restiffe.
O festival teve de ser realizado entre a tarde e a noite, já que o Anhembi, multado antes por outros eventos, teve de assinar um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) para continuar funcionando.
Libman afirma que a In Haus contratou uma empresa que fez medições antes e durante o evento. “É importante que a Prefeitura faça a aferição correta, na casa do reclamante. Não colocar o aparelho no muro do Anhembi, lá ele vai bater 75 decibéis”, diz ele.
OBSOLETO. Os promotores alegam que o ruído habitual da cidade, como carros, caminhões e helicópteros, entra na conta da medição – e que a Prefeitura utiliza equipamentos obsoletos para medir o barulho.
A assessoria de imprensa da Prefeitura argumentou à reportagem, em nota, que não é possível separar, durante a fiscalização do Psiu (Programa Silêncio Urbano), com alta precisão, ruídos específicos como o de helicópteros, do som captado no evento e que isso está previsto na Norma Brasileira (NBR) 10.151/19.
Mesmo com os cuidados dos organizadores, o Anhembi foi multado pelo Farraial. Por ter sido a terceira multa, ele atualmente funciona por meio de uma liminar obtida na Justiça. O Distrito Anhembi, concedido à GL Events, disse, por meio de nota, que cumprirá todas as decisões sobre os eventos na cidade.
A empresa também diz que contratou o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) para desenvolver um estudo de impacto sonoro, que estará pronto ainda neste semestre.
A arena do Allianz Parque, com capacidade para 45 mil pessoas, assim como o Anhembi, acumulou três multas e funciona à custa de uma liminar. O local é considerado o mais delicado entre os produtores.
O estádio, casa do Palmeiras, operado pela Real Arenas, abrigou há pouco três apresentações do cantor e ator britânico Harry Styles; o projeto Histórias – O Show do Século, com os sertanejos Chitãozinho e Xororó, Zezé Di Camargo e Luciano, Bruno e Marrone, entre outros; e o Buteco, comandado por Gusttavo Lima.
Por meio de nota, a empresa diz que está preparada para cumprir rigorosamente a legislação. Afirma ter compromisso com a comunidade com um programa ativo de atendimento aos moradores do entorno do estádio. Segundo a Real Arenas, todas as ações para minimizar o incômodo sonoro são acompanhadas e recomendadas pelo IPT. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.