‘Licorice Pizza’ mostra ousadia e inventividade
Com Licorice Pizza, Paul Thomas Anderson volta à melhor forma e retoma o tônus dos seus grandes filmes, Boogie Nights (1997) e Magnólia (1999) – este último talvez sua obra-prima. São obras notáveis – sobretudo nos dias que correm – pela ausência de preconceitos do seu autor. Anderson, também conhecido pela sigla PTA, observa, em Boogie Nights, a ascensão e a queda de um jovem ator pornô (Mark Wahlberg).
Em Magnólia, são nove personagens cujas histórias se cruzam em torno de temas como as relações familiares, o sucesso, o fracasso, a ambição, o sexo consentido ou não, a culpa, o arrependimento. Em suas sequências finais, adota uma pegada bíblica com a antológica chuva de batráquios sobre uma cidade em transe. Apesar do tom apocalíptico, o filme jamais descamba para o moralismo. Pelo contrário, este e outros são exaltações à compreensão humana e à liberdade que, com todas as consequências, ainda é preferível à repressão.
Em ambos, e também em Licorice Pizza, algumas marcas de estilo são constantes. A intensidade das cenas, junto com a densidade dos personagens e um funcionamento de câmera bem marcado e ritmado. Em especial pelo gosto dos longos travelings (planos sem cortes), com a câmera seguindo os personagens pelos inúmeros labirintos (morais e intelectuais) em que se metem.
O recurso é usado também em outras partes dos filmes e não apenas em sua abertura. É possível que, nesse quesito, PTA tenha se inspirado no cinema de Robert Altman, de quem era grande admirador.
Não se trata de virtuosismo barato. PTA tem o que dizer. Muito. Basta observarmos o que faz em Magnólia, com seu enredo de vidas entrecruzadas. Cruzar essas histórias pessoais num todo coletivo é um desafio – tanto de roteiro quanto de montagem. Tornar esse conjunto envolvente e empolgante é a grande arte do cineasta.
Arte presente, mais uma vez, neste Licorice Pizza, que começa da maneira mais despretensiosa do mundo, como uma Gary Valentine (Cooper Hoffman), de 15 anos, resolve dar em cima de Alana Kane (Alana Haim), uma moça de 25 anos. Ela o trata como a criança que de fato ele é, mas Gary dispõe de algumas cartas na manga. Lança-se à aventura como dono de uma fábrica de colchões de água e depois muda de ramo, dedicando-se a uma casa noturna de jogos eletrônicos. A coisa é meio fabular mesmo e o espectador tem o direito de se perguntar como um adolescente se torna, de uma hora para outra, um ousado homem de negócios. O conselho, aqui, é não se deter no realismo tacanho e deixar-se levar pela história.
Como em outras de PTA, esta também se bifurca em várias subtramas, com a entrada de novas situações e personagens. Sean Penn faz Jack Holden, um êmulo do ator William Holden, astro de Crepúsculo dos Deuses e Férias de Amor. Ou Bradley Cooper como Jon Peters, um produtor arrogante e sexomaníaco. Ou Tom Waits, no papel de Rex Blau, diretor inspirado em Mark Robson.
Entre personagens inspirados em figuras reais e outros saídos de sua imaginação, PTA compõe um painel multifacetado daquela região dos Estados Unidos que conhece tão bem, porque lá se criou, San Fernando Valley, em Los Angeles.
Tudo conflui para a qualidade de Licorice Pizza, da ousadia da direção à inventividade do roteiro. Mas é o par principal que dá liga e força a essa comédia, que anda sempre por caminhos pouco previsíveis. Cooper Hoffman, filho do grande Philip Seymour Hoffman (1967-2014), é excelente. E Alana Haim é a aura do filme. Quando ela entra em cena, ilumina a tela. A grande pisada na bola do Oscar foi não tê-la indicado para melhor atriz.