Livro resgata cantora que é aclamada, mas acabou preterida
Em depoimento para o livro Para Ouvir Sylvia Telles, que o músico e pesquisador musical paulista Gabriel Gonzaga acaba de lançar, Maria Bethânia é taxativa: “As Adrianas, Vanessas, Gal… tudo é muito Sylvinha. Grandes mulheres, grandes cantoras”.
A fala de Bethânia atesta a importância da cantora carioca que, ao começar a carreira em uma era ainda pré-bossa nova, trouxe ao lado de músicos, compositores e cantores como Johnny Alf, Tito Madi, Claudette Soares e Doris Monteiro um canto mais cool do que os sambas-canção e boleros que fizeram a fama dos artistas da era de ouro e do rádio da música brasileira. Estilo vocal que uma revista à época definiu metaforicamente como “azul”.
A lista é maior ainda. Joyce Moreno, que assina o prefácio do livro, confessa que seu canto tem influência do registro mezzo-soprano de Sylvinha (1934-1966), de quem ela diz guardar o primeiro disco da cantora, Carícia, até hoje em sua coleção de vinis – e o leitor pode fazer sua própria lista, inclusive, com cantoras mais novas.
Resultado de mais de uma década de pesquisa e 56 entrevistas, a biografia escrita por Gonzaga vai a fundo na história da artista – e Sylvinha pode ser chamada assim, pois estudou balé, fez curso de teatro e apresentou comerciais na televisão. Tudo contribuiu para uma doce e simpática desenvoltura no palco. Uma cantora também para ser vista.
“Era, de fato, uma lacuna uma personagem tão querida e importante ainda não ter uma biografia. Sylvinha abriu possibilidades artísticas, sobretudo para as mulheres. Incentivou Nara Leão a cantar e levou Elza Soares para gravar pela primeira vez”, diz Gonzaga, que teve acesso a um vasto acervo da família de Sylvinha por intermédio de sua única filha, a também cantora Claudia Telles (1957-2020), com quem ele atuou como músico.
E a família, apesar da resistência do pai, foi importante para os primeiros passos de Sylvinha como cantora. O irmão mais velho, Mário, era amigo de nomes como Garoto, Dolores Duran, Billy Blanco, João Gilberto e João Donato. Todos, de alguma maneira, estenderam a mão a ela.
“Billy, inclusive, queria que ela fosse sua intérprete, mas Sylvinha ainda era muito nova”, lembra Gonzaga.
DONA DO TOM
Em 1954, Sylvia começou a namorar o violonista e estudante de Direito José Cândido, o Candinho, que se tornaria seu marido e pai de sua única filha. Juntos, eles se apresentavam em programas de rádio e nas boates cariocas, como a que ficava dentro do Hotel Plaza.
Quando Candinho decidiu se dedicar de fato à profissão de advogado, Sylvinha encontrou um parceiro que marcaria sua carreira: Tom Jobim. Das 129 canções que gravou, 58 eram do maestro – 15 eram lançamentos, entre eles, Dindi, Fotografia, Demais, Só Em Teus Braços e Esquecendo Você. Juntos, os dois emplacaram seu primeiro grande sucesso, a canção Foi a Noite.
“Eu diria que a carreira da Sylvinha foi dedicada ao Tom”, conta Gonzaga. A cantora, inclusive, lançou um álbum todo dedicado às canções de Tom, Amor de Gente Moça, lançado em 1959.
Por ironia, Gonzaga afirma que uma das causas de a cantora, que morreu em 1966, vítima de um acidente automobilístico, ser tão pouco lembrada nos dias de hoje é o fato de seu repertório ser formado por esses grandes clássicos de Tom: “Os grandes sucessos de Sylvinha são músicas que hoje têm centenas de gravações. O repertório não é dela, é do mundo. Nesse acúmulo de informações, ela foi preterida”.
Gonzaga mesmo teve dificuldade para publicar o livro. Mandou o original para mais de 30 editoras e nenhuma se interessou. A que decidiu lançá-lo, enfrentou problemas na distribuição, parcialmente resolvidos.
Em suas redes sociais, Gonzaga apresenta áudios raros de sua biografada. Um deles é o show da Escola Naval (1959), um dos marcos iniciais da bossa nova, no qual Sylvinha, já uma veterana, foi convidada para dar uma força aos jovens principiantes da turma do banquinho e violão.
JOÃO GILBERTO
Sylvinha tinha 16 anos e João Gilberto 20 quando namoraram. O romance durou dois anos e chegou ao fim quando o pai e o irmão da menina ficaram incomodados com o então integrante do conjunto Garotos da Lua que não conseguia se firmar na carreira de músico.
O rompimento inspirou João a escrever o poema Você Esteve com Meu Bem?, que posteriormente virou uma canção, lançada pela cantora Marisa Gata Mansa. Sylvinha e João se encontrariam na gravação do LP Silvia, de 1958, ainda sem a marcante batida da bossa nova.
“A influência musical foi recíproca. João disse em seu depoimento para o livro que, em uma hora incerta de sua vida, Sylvinha foi uma importante incentivadora de sua maneira de cantar e tocar violão. Ela, por sua vez, começou a se dedicar mais à música. Ficava horas tocando piano em casa”, recorda Gabriel Gonzaga.
O biógrafo não entrevistou João, sempre recluso, pessoalmente. Um amigo em comum levou as perguntas até o músico baiano e recolheu suas respostas. “O depoimento do João foi importantíssimo, pois amarrou várias pontas. Ele foi muito preciso, inclusive em datas”, explicou Gonzaga.
João morreu em 6 de julho de 2019, uma semana após essa entrevista – o que torna sua declaração ao livro, provavelmente, a última que deu em vida.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.