Livros raros dos Anos Dourados serão leiloados no Rio

17/11/2022 15:23
Por Estadão

Nenhuma outra coleção de livros expôs melhor o gosto cultural dos ricos e a excelência dos artistas no pós-guerra no País. Com a Europa ainda sob bombardeio, o industrial e mecenas Raymundo de Castro Maya fundou a Sociedade dos Cem Bibliófilos do Brasil para publicar clássicos da literatura ilustrados por pintores e gravadores renomados. Em 2023, a coleção completa 80 anos e se mantém como o acervo de luxo mais cobiçado do mercado.

Ao longo dos Anos Dourados, Castro Maya editou 23 obras fartas de águas-fortes de nomes como Djanira, Poty, Caribé, Darel e Santa Rosa. Os lançamentos ocorriam em jantares disputados no Jockey Club. A lista de magnatas e celebridades escolhidos para ter os nomes grafados em exemplares personalizados incluiu Walter Moreira Salles, Roberto Marinho, Niomar Moniz Sodré, Maria do Carmo Nabuco, Gilberto Chateaubriand, Carlos Lacerda, Henrique e José Mindlin, Carlos Guinle, José Olympio e Francisco Matarazzo Sobrinho.

Dos números dos Cem Bibliófilos, sete vão à leilão no próximo sábado, dia 19, no Rio. A joia da coroa é a edição de Campo Geral, de 1964, de Guimarães Rosa, história publicada originalmente na coletânea Corpo de Baile, lançada pelo autor em 1956. O exemplar em leilão da narrativa que conta a história do menino Miguilim pertenceu a Elizabeth de Castro Maya, mulher do editor. O livro de 76 páginas tem 34 desenhos de Djanira gravados por Darel Valença em cobre com cores de linoleum. Foram publicados apenas 120 exemplares.

Os livros editados por Castro Maya tornaram-se ainda mais raros porque boa parte das edições, limitadas a 140 exemplares, teve seus desenhos arrancados pelos donos e colocados em molduras – sem os desenhos, as obras perdem o valor. Era tentador expor Portinari, Di Cavalcanti, Cícero Dias e Iberê Camargo, ainda que em desenhos, nas salas de visitas. Livro que caía nas mãos de donos de galerias também acabavam sendo destruídos. Muitos viram na venda avulsa das ilustrações um jeito de lucrar mais.

A coleção ganhou fôlego entre os anos 1950 e início dos 1960, quando o País se tornou bicampeão de futebol e viu a Bossa Nova e o Cinema Novo ganharem espaço no exterior. A edição de Memórias de um Sargento de Milícias, em dois volumes, lançada pelos Cem Bibliófilos em 1953, também teve a participação de Darel, que fez águas-fortes inspiradas na obra de Manuel Antônio de Almeida.

O leilão da Livraria Letra Viva expõe também As aparições, de Jorge de Lima, com águas-fortes de Eduardo Sued, de 1966; Cadernos de João, de Aníbal Machado, com desenhos de Maciej Babinski; 4 contos de Machado de Assis, ilustrado por Poty Lazzarotto, de 1962; O ciclo da Moura, de Augusto Frederico Schmidt, com águas-fortes de Cícero Dias, de 1966; e Bestiário, trechos de obra de Gabriel Soares de Souza, com gravuras sobre madeira de Marcelo Grassmann, de 1958.

Dono da Cia Carioca Industrial, Raymundo Castro Maya foi pioneiro na fabricação de óleos vegetais. A Gordura de Coco Carioca marcou época. Ele usava, porém, boa parte do tempo para agitar o mundo do mecenato e das artes. Fundou os museus da Chácara do Céu e do Açude, remodelou o Parque Nacional da Tijuca e presidiu o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro.

Com a morte do empresário em 1968, a Sociedade dos Cem Bibliófilos se desfez. É simbólico que o fim da coleção tenha coincidido com o início do recrudescimento da ditadura militar. Daí para frente vieram o Ato Institucional número 5 e a repressão brutal a adversários do regime e a censura.

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