Loja Dako: entre fogões e aviões

28/05/2019 14:05

Nas nuvens ou na terra, transitar pela loja era como estar na primavera; sempre em tempo para se deixar encantar, renovar – os acervos – e relaxar os nervos. Muito além dos fogões, foram as miniaturas de aviões, vagões e carrões que fizeram da loja Dako aquela em que era possível voar sem tirar os pés do chão.

A começar pela vitrine, era na exposição dos itens de modelismo que estava a emoção das crianças, como foi o caso do biólogo Walter Zwink, hoje aos 61 anos. “Os aeromodelos costumavam ficar expostos e eu, pequeno, ficava admirando aquilo tudo. Os aviõezinhos eram coisa séria, mas para a criança era uma atração por parecer um brinquedo”.

E por falar em brinquedo, foi na loja Dako que o gastrônomo Diego Gonzalez Couto, de 42 anos, adquiriu sua coleção de bonequinhos de chumbo da saga de Guerra nas Estrelas. Como ele mesmo faz questão de ressaltar, eram as vitrines as principais responsáveis por “despertar as fantasias da molecada”.

“Eu ficava louco. Saía do colégio e ficava admirando as naves. Eu passava praticamente todo dia por lá para olhar. Era encantador poder segurar os personagens que você via na TV. Eles também tinham umas miniaturas de veículos militares, soldadinho, e isso tudo encantava também os adultos, que são crianças escondidas”.

Por terra ou pelas nuvens, o cenário das brincadeiras dependia dos desejos do comprador. Afinal, se resultasse exclusivamente do leque de mercadorias oferecidas, a aventura seria completa. Para o aposentado Hélio Azevedo de Castro, de 73 anos, o estabelecimento foi porta de entrada para o aeromodelismo.

“Aos 14 ou 15 anos comprei meu primeiro planador com eles e, mais tarde, meu Abelha U-Control com motor WB-Diesel 1,5. O mais bacana era você montar o aeromodelo. A madeira era muito leve, então você tinha que forrar com papel celofane e depois envernizar para ele ficar bem esticadinho. Era um trabalho minucioso e um hobby fantástico”.

Uma distração que virou ocupação

Foto: Reprodução Internet

Foto: Bruno Avellar

Convidativa, a arte do modelismo na loja Dako era demonstrativa da paixão e da afeição tidas pelo ramo por parte do herdeiro do empreendimento, o agora aposentado Anderson Bretz Cabral, de 76 anos, que, em dado momento, percebeu que “quando se trabalha com o que se gosta, tanto se vende quando se orienta”.

E foi isso que Anderson se tornou dentro do negócio, mais do que um vendedor, um amigo que trabalhava com informações precisas e era capaz de auxiliar o iniciante. Sem dúvidas, um defensor e mentor do modelismo na cidade. Ele explica como se deu a evolução e a transformação do leque das mercadorias comercializadas na loja Dako.

“A fundação da loja Dako aconteceu com o meu pai, Camerino Macedo Cabral, em primeiro de janeiro de 1937. Quando abriu, a loja vendia fogões e aquecedores de carvão, fazia a manutenção dos aparelhos e promovia a venda de peças. Éramos representantes da Dako, vinculados à fábrica, daí o nome”.

Como todo negócio, a loja precisou adequar o que era ofertado às mudanças no mercado, que logo passaram a interferir também nas finanças dos comerciantes. Segundo Anderson, a grande queda nas vendas aconteceu quando a cidade recebeu grandes firmas de eletrodomésticos do Rio.

“Chegamos a vender peças de motocicletas, mas não deu muito certo, então mais tarde passamos a trabalhar com modelismo, a vender trenzinho elétrico, miniatura de carro. Foi uma época muito boa que durou quase 40 anos e que só decaiu com o surgimento do vídeo game. Foram quase dois anos liquidando o estoque a preços baixíssimos”.

Praticante do modelismo desde os 16 anos de idade, Anderson adentrou terras conhecidas e prometidas quando passou a comercializar aquilo com que se identificava. A seção era à parte e o foco principal continuava sendo os fogões, aquecedores e a manutenção, mas ainda assim a venda dos trens elétricos e aeromodelos se tornou emblemática.

“Vendíamos tudo de modelismo, que é uma área muito ampla. De tanto que gosto cheguei a entrar em competições no Brasil e a representar o país num mundial de modelismo que aconteceu na África do Sul. Também curto a pesca esportiva, então abrimos leques de conhecimento, e passamos a vender materiais relativos à área”.

E não só pela sabedoria de Anderson os clientes eram atraídos. A loja era guardiã de suas estimadas motocicletas, que faziam sucesso entre os visitantes. “Tive 32 motos, não ao mesmo tempo. Eu as comprava e levava lá para dentro. Dependendo do preço que me ofereciam eu as vendia, daí comprava outra para restaurar”.

De tão destacadas, as máquinas são, até hoje, lembradas. O arqueólogo Roberto Perez Moro, de 60 anos, aponta uma BMW do comerciante como o ponto alto da visita que, segundo ele, “dava o refrigério na alma dos tempos antigos”. Quando não se estava conversando, era deleitando-se com a impecável motocicleta que se passava o tempo.

“Comprei muitos aeromodelos lá e material de reposição para os meus fogões e lampiões – já que sempre fiz muito acampamento, mas aquela moto ao fundo era o melhor. A Dako era como um consultório de psicologia. Todo mundo saía de lá se sentindo mais leve. O dia em que fechou fiquei anestesiado, como se um ente querido tivesse falecido”. 

De comércio para irmandade, a loja Dako, aos poucos, fidelizou a clientela e, consequentemente, a rede de amigos. Para a artesã Débora Cabral, de 51 anos, filha e sócia de Anderson no empreendimento, um dos pontos fortes da loja eram os gasistas, que levavam os serviços às casas e passavam a fazer parte da vida dos fregueses.

“A impressão que eu tinha era de que a loja sempre estava em vários lugares, pousadas, casas”, diz ela. Onipresente, a loja Dako era lembrada na terra e nas nuvens, em fogões e aviões, no brincar e no se emocionar. Afinal, para voar bastava se deixar levar.

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