Lu Alckmin mantém perfil reservado em um mundo de holofotes e exposição pública
O senhor de terno, gestos contidos, fala baixa, ocupa a cadeira destinada a ele no programa de entrevistas. Puxa ligeiramente a calça quando se senta – como os homens costumam fazer – e eis que em meio a tanta sobriedade, as meias saltam aos olhos. São muito coloridas, quadriculadas, estampadas. Enfim, poderiam ser usadas por um skatista ou por um jovem da geração Z com toda naturalidade. Mas, não. Vestem os pés do vice-presidente da República e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, 70 anos.
Será que foi o senhor tão tradicional na escolha do traje e dos sapatos fechados que decidiu usá-las para dar um ar mais descontraído ao seu guarda-roupa? Pode ter certeza que não. A ideia e a escolha partiu de sua mulher, Lu Alckmin, paradoxalmente uma das pessoas mais discretas de que se tem notícia no Governo Lula.
“Lu é uma esfinge”, define a jornalista e escritora Claudia Matarazzo, que durante dois anos chefiou o Cerimonial do Palácio dos Bandeirantes e conviveu com a então primeira-dama do Estado. Maria Lúcia Ribeiro Alckmin, 72 anos, nasceu em São Paulo, mas ainda criança foi para Pindamonhangaba, cidade do interior do Estado a 140 quilômetros da capital, onde se formou professora na Escola Normal. Na cidade conheceu o futuro marido, Geraldo, então estudante da Faculdade de Medicina de Taubaté e se casaram em março de 1979.
Alckmin iniciou sua carreira na política e se elegeu prefeito do município. Já ela era dona de uma boutique e toda vez que perguntam a ele como se conheceram, os interlocutores contam que ouvem e terão que rir da mesma piada: “Apaixonei-me pela boutique dela”, costuma brincar, meio sem graça o vice-presidente, citando o estribilho do forró “Severina Xique-Xique”, de João e Genival Lacerda, que conta a história de uma moça pobre que ninguém queria namorar. Mas quando abriu a tal boutique, começaram a aparecer admiradores que estavam “de olho na boutique dela”, um ingênuo trocadilho se comparado com as letras de sexo explícito dos funks de hoje.
Não se trata de ser uma esfinge. Mas Lu é uma mulher reservadíssima num mundo de holofotes e exposição pública constante. Não é que ela não apareça. Ela está ali, ao lado do marido político, quase sempre sorridente, vestida com extrema e correta elegância, o cabelo escuro solto e com uma única exceção na maquiagem sutil que é o batom vermelho. Basta observá-la nas solenidades. Os movimentos são minimalistas, resumidos a um aperto de mão ou um abraço em alguém mais próximo. Mas sua atuação dificilmente passará disso.
Nesses momentos lembra dona Ruth Cardoso (1930-2008) a mulher do então presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2000) que, bem-humorada, falava da exaustão decorrente dessas solenidades. Ela dizia que se passava tantas horas em pé e se apertavam tantas mãos que era preciso deixá-las de molho na salmoura para acalmar o inchaço.
Maria Lúcia e Alckmin tiveram três filhos: Thomaz, Geraldo Jr e Sophia. Thomaz, o caçula, morreu em um acidente de helicóptero. A família, já bastante introvertida, dilacerada pela perda, se uniu e se fechou ainda mais. Lu, já muito religiosa, buscou ainda mais conforto na devoção. Todos os anos, desde 2016 (um ano depois da morte do filho e em homenagem a ele) faz o Caminho da Luz, em que percorre 28 quilômetros, enquanto vai postando mensagens ao longo da rota.
A maior exceção da família sempre foi Sophia, influencer de moda, estilo, que mantém uma legião de seguidores nas mídias sociais e, atualmente, a própria Lu que também registra suas atividades no Instagram. Hoje, são raríssimos os que convivem com a privacidade dos Alckmin. Já era assim em São Paulo, no Palácio dos Bandeirantes, sede do governo de São Paulo e residência oficial onde eles moraram durante os mandatos do então governador (2001 a 2006 e de 2011 a 2018).
Continuam assim em Brasília, morando no Palácio do Jaburu, à beira do Lago, onde correm as emas, voam corujas e sempre aparecem outros bichos. Um grupo das emas, que agora mora por lá, fugiu do Palácio da Alvorada, durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, que as perseguia com caixas de cloroquina (o medicamento que ele receitava, mas era inócuo, para curar a Covid-19). E Lu continua admirando suas calopsitas. “Ela está sempre muito à vontade. É aberta, acessível”, diz o ex-deputado Silvio Torres, amigo de Alckmin que inclusive saiu do PSDB junto com então pré-candidato a vice na chapa de Lula.
“Ela chegou e logo foi cumprimentando e falando do seu trabalho com o voluntariado”, contou Ngunzetala, um dos coordenadores da organização religiosa Associação Vida Inteira. “Ficamos impressionados com a singeleza dela. Ela é cristã e nós sabíamos disso. Mas ficou completamente à vontade aqui”, disse ele, referindo-se ao território Tumbo inzo a’na Nzambi Junsara, tradicional afro, comumente chamado de terreiro.
Lu passou a manhã na organização. Tomou café, visitou a cozinha e quis conhecer a todos os que estavam por lá. Contou, segundo os presentes, que quando chegou a Brasília sentiu muita falta do trabalho social que fazia em São Paulo e, por isso, decidiu implantar o projeto das padarias aqui”, diz Ngunzetala. Saiu de lá com os nomes de três pessoas que seriam engajadas no projeto e que já começaram o treinamento. “A gente vê que não é proselitismo. É trabalho sério”, acrescentou.
O projeto das padarias surgiu no ano de 2000, quando Lu, andando pela periferia da cidade de São Paulo, contam ao Estadão, ouviu a população carente dizendo que quem “tinha fome queria comer pão”. Quando Geraldo Alckmin assumiu o governo do Estado, ela começou como voluntária no Fundo Social de Solidariedade do Estado de São Paulo, em 2001, e desenvolveu o projeto da Padaria Artesanal.
Trata-se de um projeto com o objetivo de gerar emprego e renda por meio da formação de agentes multiplicadores que, em suas comunidades, têm o compromisso de transmitir os conhecimentos e habilidades adquiridas a outras pessoas. Os kits da Padaria Artesanal são compostos por itens fundamentais na produção das receitas do projeto, como forno, liquidificador, fôrmas. Durante o curso de um dia de duração, os alunos aprendem a fazer 10 tipos de pães, além de receberem noções de ética, higiene e cidadania. Em São Paulo, mais de 100 mil pessoas já foram capacitadas.
Ao chegar a Brasília, Lu Alckmin procurou Dom Paulo Cezar Costa, Arcebispo de Brasília, e manifestou o seu desejo de implantar o projeto no Distrito Federal. Desde então, ela, com o apoio da Arquidiocese, iniciou a busca de parceiros solidários – que bancassem o projeto sem o uso de verbas federais – para concretizar o Polo da Padaria Artesanal que será instalado numa paróquia da cidade e terá mais de 30 unidades distribuídas em entidades sociais e centros religiosos, visitados por Lu Alckmin em todo o Distrito Federal.
Já esteve duas vezes na Cáritas de São Sebastião (DF) entidade que acolheu indígenas venezuelanos da etnia warao que estavam vivendo na mais absoluta miséria em situação de rua. São 102 pessoas – 42 delas crianças e 56 mulheres. “Ela foi muito solícita, conversou com as mulheres e falou de sua vontade de ser útil na vida. Quando sua assessoria avisou que ela viria, pediu que não preparássemos nada especial e foi assim”, contou Paulo Henrique de Morais. Na segunda visita, Lu levou vários sacos e caixas de miçangas para as indígenas fazerem colares, pulseiras e outras bijuterias. “Foi uma alegria e elas também vão fazer parte do projeto das Padarias”.
No ano passado, em uma rara entrevista ao site Poder 360, ela contou que apreendeu com os pais a ser solidária e a fazer trabalho social. “E é uma alegria para mim estar ao lado do Geraldo e de ter essa ampla oportunidade de realizar esse trabalho”, afirmou. Em São Paulo, ela criou a Padaria Artesanal, Escola de Moda, Escola de Beleza e Escola de Construção Civil. “Para poder fazer isso, é muito importante viajar, estar ao lado da população. Não sou eu que tenho ideias. São essas pessoas que as trazem”, prosseguiu.
Na mesma entrevista, ela fala de sua “profunda” admiração pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e da alegria por ter passado bastante tempo com ele durante a campanha eleitoral. “É um homem que foi muito pobre e a gente sente isso em cada depoimento que ele dá. Ele entra na alma das pessoas porque foi pobre, sentiu frio, fome. Por isso, ele também sabe que precisamos construir um Brasil onde todos tenham três refeições ao dia, onde todos tenham uma vida digna”, afirmou ao site.
“Lú é muito natural em qualquer situação”, diz Silvio Torres. Muito mais até do que o marido que perde para a mulher fora das atividades oficiais. Em fotos da família durante uma trilha na serra da Mantiqueira, por exemplo, lá está o vice-presidente de camisa social e calça, quando toda a família Alckmin vestia roupa esportiva, inclusive, Lu.
A segunda-dama também foi procurada pelo Estadão, mas não quis dar entrevista.