Lugar de mulher é, sim, onde ela quiser

08/03/2018 12:10

No Dia Internacional da Mulher é impossível não lembrar da longa luta das mulheres por direitos e igualdade de gênero. Ao longo de décadas, a busca por mais espaço em escolas, universidades e no mercado de trabalho continua. Embora a realidade ainda esteja longe do que muitas mulheres desejam, é fato que houve avanços significativos. Aos poucos, ainda timidamente, elas estão conquistando espaço no mercado de trabalho. Cadeiras que antes eram ocupadas apenas por homens, hoje já são também das mulheres. Hoje a Tribuna de Petrópolis conta histórias inspiradoras de mulheres que se destacaram em profissões onde há predominância de homens. Lugar de mulher é, sim, onde ela quiser. 


Profissão? Ela é mestre cervejeira

“Hoje em dia, acho que quando a gente fala em “beber cerveja” já não há mais aquela associação direta ao homem, como antes. O perfil da cerveja que a gente cria mudou. Não tem mais essa de: ah, uma cerveja é para a mulher, outra cerveja é para o homem. Hoje é indiferente. Mais amarga, menos amarga, não importa. O que importa é muito mais o paladar e gosto das pessoas, e não essa diferenciação”, disse a mestre cervejeira da Cervejaria Bohemia, Sybilla Geraldi.

Há sete anos na cervejaria e há cinco atuando como mestre cervejeira, Sybilla é uma dessas mulheres apaixonadas por cerveja. Formada em farmácia-bioquímica, entrou na cervejaria em 2011 para trabalhar na parte de controle de qualidade da fábrica. Se apaixonou pela produção de cerveja e hoje é a única mulher mestre cervejeira na empresa – e também na cidade.

“Comecei pelo curso de técnica cervejeira pela Ambev, em São Paulo. Depois fiz mais um ano de curso para Mestre Cervejeira e, no final, passei por um período de formação na Bélgica”, contou Sybilla. “Na área, eu nunca tive dificuldade por ser mulher. As turmas eram bem divididas entre homens e mulheres. Na Ambev tem um número grande mulheres mestres cervejeiras”, completou. 

Na Bohemia, ela coordena toda a parte de produção de qualidade e meio ambiente, para garantir que os requisitos sejam cumpridos, e, claro, a cerveja saia perfeita. “Acompanho todo o processo, desde a matéria-prima até as saídas dos caminhões da fábrica. Faço o controle de qualidade e desenvolvimento de cervejas novas. Todos os dias são degustados: o malte, o lúpulo, o fermento, toda a matéria prima. Todos os tanques que são liberados passam por nós”, disse.

 Ser mestre cervejeira da primeira cervejaria do Brasil é um orgulho para Sybilla e também para a sua família. Sua filha, Alice, de 2 anos, conta com admiração para as coleguinha a profissão da mãe. “Na escolinha, quando perguntam qual é a minha profissão, ela sempre fala com orgulho: minha mãe faz cerveja”, brincou.

“Eu gosto de falar do orgulho que é ser petropolitana e poder fazer parte disso. Desde pequena escutavaasobre a Bohemia de Petrópolis como uma cervejaria muito tradicional. Então, fazer parte disso, ser mestre cervejeira aqui me deixa muito orgulhosa”, disse, emocionada.


Daniele sempre quis ser motorista

“Quando eu tinha uns 5 para 6 anos, meu padrasto chegou para mim e perguntou se eu queria ganhar uma boneca. Eu respondi que não e falei no ouvido dele: compra um caminhão para mim? Quando ele me deu o brinquedo, amarrei nele um barbante e ficava puxando o dia inteiro”. Essa é a primeira lembrança que vem à cabeça da motorista de ônibus Daniele Moura, quando perguntada sobre o porquê de ter escolhido a profissão.

Filha de caminhoneiro, ela conta que o seu sonho sempre foi ser motorista, como o pai. Há quase dois anos, foi selecionada para trabalhar como cobradora e, depois de um tempo, após passar por uma “escolinha” dentro da empresa onde trabalha, a Viação Cascatinha, conseguiu realizar seu sonho. Há quatro meses atuando como motorista, Daniele, de 34 anos, que é casada há 16 anos e mãe de um adolescente de 17 e uma menina 9 anos, diz que se sente feliz na profissão.

“O mais gratificante é quando recebo o carinho das crianças. Elas pedem para tirar fotos comigo por causa de uma publicação que viram no facebook, quando achei uma carteira dentro do ônibus e devolvi ao dono”, disse, contente, fazendo referência ao episódio ocorrido em setembro do ano passado. Quando ainda era cobradora, Daniele encontrou uma carteira debaixo de um dos bancos do ônibus em que estava trabalhando, e junto com o motorista, devolveu à dona. A boa ação é reconhecida até hoje pelos passageiros. 

Em Petrópolis, só há quatro motoristas de ônibus do sexo feminino. Na empresa Cascatinha, somente a Daniele. “Como é uma profissão em que há muitos homens, eu senti, sim, uma dificuldade no começo. Nas primeiras linhas que peguei os passageiros ficavam receosos por eu ser mulher, mas depois, com o tempo, me conheceram melhor e chegaram até a pedir para que não me tirassem da linha”, disse.

A motorista conta que não deu ouvidos para as pessoas que tentaram desanimá-la. “Quando quis entrar na escolinha, recebi muito incentivo dos meus colegas de trabalho e da minha família. Meu marido, no começo, ficou meio desconfiado, mas quando falei que era isso mesmo que eu queria, ele me deu muito apoio. Sempre tem um contra, mas eu não dou ouvidos para o que os outros falam”, completou.


Ela se destaca na equipe de eletricistas

“Ao mesmo tempo que recebo muito incentivo na minha profissão, também crio uma certa expectativa. Quando comecei aqui no Grupo Petrópolis, me disseram que ou eu iria abrir portas ou fechá-las. Quando terminou meu contrato de jovem aprendiz, a empresa entrou em contato com uma amiga minha para ocupar a vaga e eu fiquei feliz, porque percebi que realmente estava conseguindo abrir portas para outras mulheres”, contou a eletricista da Unidade Fabril do Grupo Petrópolis, Maria Clara da Silva Rezende.

Com oportunidades e, principalmente, muito esforço e talento, a jovem, de 22 anos, é a única mulher eletricista do setor de manutenção da Unidade Frabil do Grupo Petrópolis, em Pedro do Rio. “Quando terminei o ensino fundamental, eu tinha duas opções: ia para o colégio estadual ou para o federal. Então resolvi fazer a prova para o curso eletrotécnico no Cefet e passei. Comecei a estudar, fui me interessando e, hoje, escolhi na faculdade o curso de engenharia elétrica”, contou Maria Clara. 

Natural de Paracambi, no estado do Rio de Janeiro, mora em Petrópolis desde que iniciou a faculdade. Ela conta que há dois anos, enviou um currículo para a vaga de jovem aprendiz e foi selecionada. Através do Grupo, iniciou o curso de Eletricista de Manutenção Industrial no Senai. E há cerca de 2 meses, após o fim do contrato, foi admitida. Além de ser a única mulher, é a funcionária mais jovem do setor. 

“Eu nunca pensei em ser eletricista. Mas, como meu pai trabalha nessa área, desde pequena sempre tive contato porque ajudava ele em algumas coisas. Mas na área industrial o meu primeiro contato foi aqui na fábrica”, contou. Seguindo os passos do pai, Maria Clara conta que ele fica muito orgulhoso. “ Ah, eu sou a menina dos olhos, né?”, brincou.

Assim como em muitas profissões, a eletricista conta que enfrentou algumas dificuldades. “Durante o curso técnico as turmas eram bem divididas entre mulheres e homens. Eu tive dificuldades em entrevistas durante esse período. Para concluir o técnico temos que fazer um estágio obrigatório. E em muitas entrevistas me perguntavam como eu me comportaria se sofresse assédio. Eu respondi que assédio é crime. Para cortar logo esse tipo de coisa”, relatou.

Para Maria Clara muitas empresas não estão preparadas para receber as funcionárias mulheres em ambientes que a maioria são homens. “Esse tipo de pergunta nas entrevistas mostra que eles não estão preparados. Não sabem lidar. Aqui eu nunca passei por isso, sempre fui acolhida e tratada como qualquer outro funcionário”, afirmou.

“Eu acho que tive mais facilidade na área por ter tido esse contato com a profissão do meu pai. Sempre fui pró-ativa, e acabei ganhando espaço por me colocar disposta a exercer as atividades. É importante ter iniciativa. Ganhar e manter uma boa vivência no trabalho, mostrando minhas competências, pode ajudar a abrir portas para outras mulheres”, destacou.


Bombeiros têm só uma combatente

“Quando saímos para salvar vidas e conseguimos realizar o salvamento com sucesso, voltamos com aquele sentimento de dever cumprido. É muito gratificante. Sempre penso: que bom, graças a Deus conseguimos fazer o salvamento, tirar as pessoas das ferragens… Mesmo que a viatura não seja, especificamente, a que eu esteja, estar junto com os outros militares, um ajudando o outro é muito satisfatório”, descreveu a Segundo Sargento Bombeiro Militar, do 15º Grupamento de Bombeiros Militar, Katia Martins da Silva. 

Katia é uma das quatro mulheres que fizeram parte da primeira turma de oficiais combatentes que aceitou mulheres, em 2000. Na época, com 24 anos, ela conta que prestou o concurso como forma de incentivar o irmão, que queria seguir a carreira. Mas, no fim das contas, ela passou e o irmão não. Dezoito anos depois, Katia é a única mulher combatente do 15º GBM. 

Hoje, o Corpo de Bombeiros conta com mais mulheres, a maioria na área da saúde. E apesar de ser a única combatente, a sargento conta que não tem nenhum tipo de tratamento diferenciado comparado aos militares homens. “Senti dificuldades quando estava na academia. Por ser a primeira turma, foi uma novidade para os homens também. Eles não estavam acostumados com a presença feminina e tiveram que ir se adaptando. Até as exigências que faziam para a gente na prática dos exercícios, por exemplo, precisou de adaptação”. 

Já depois da formação como bombeira, as dificuldades foram outras. “A gente acostuma com o tempo, né? Logo no início, quando vim para cá, saía com várias viaturas para ter contato com todos os tipos de socorros. Uma vez eu fui na ambulância socorrer um afogamento de uma criança. A vítima era um menino da idade do meu filho. Na época, ele tinha uns dois aninhos. Aquilo mexeu muito comigo, porque eu olhava para o bebê e pensava no meu filho”, disse, emocionada.

Mesmo caindo de paraquedas, como a sargento mesmo descreve sua escolha pela carreira no Corpo de Bombeiros, o seu carinho pela profissão veio sendo cultivamos ao longo desses 18 anos. Na família, o filho, que agora tem 18 anos, sempre admirou a profissão da mãe, e, segundo a própria, contava com orgulho para os amigos na escola. “Quando era pequeno ele contava para todo mundo da escola. Dizia: “minha mãe é bombeira”. Mas, depois que o filho cresce, já não tem mais tanta surpresa, né?”, brincou.

Para a sargento Katia, a melhor recompensa da profissão é a gratidão das vítimas e familiares. “Isso que impressiona. Às vezes fazemos um socorro e a família ou até a própria vítima vêm até o batalhão nos cumprimentar depois. É muito gratificante”, disse..


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